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Bairradinos no Mundo

Dos vinhos da Bairrada a um castelo medieval em Villars

Se tivéssemos de descrever, em três pinceladas, a vida de Ana Sofia de Vassal, diríamos somente que tem o cheiro da terra e do vinho da Bairrada, o sabor da Família e o toque de séculos de História.
Ana Sofia nasceu Rodrigues da Costa, nome de que se orgulha, não fosse o progenitor um dos homens mais influentes na História do vinho da Bairrada. “Costumo dizer que sou irmã da Bairrada, pois ela e eu temos o mesmo Pai. Um grande Senhor, que muito admiro e a quem agradeço ter-me ensinado quanto é importante a dedicação entusiasta ao nosso objetivo.”
Luiz Ferreira da Costa, o pai, foi o primeiro a comercializar regularmente, em Portugal, um vinho com denominação de origem – ainda não controlada – e indicação de colheita (exceção ao caso especial do Vinho do Porto). A estreia fez-se em 1961, com dois Bairradas, que são hoje peças de coleção: Frei João branco, colheita de 1959, e Frei João tinto, colheita de 1960 (Caves São João, empresa familiar vinícola mais antiga ainda em atividade no concelho de Anadia).
Luiz Costa levava a filha caçula para todo o lado. Quando o irmão mais velho, Manuel José, foi estudar para o Técnico, era Ana Sofia, com apenas 12 anos, que fazia, ao lado do pai, as visitas em inglês das Caves São João, já que o pai falava apenas francês.
Nas vinhas lá de casa com a mãe, na Quinta do Poço do Lobo com o pai, era ela a mascote das mulheres da vindima. E os almoços organizavam-se regularmente. “Vinha a Alice Cozinheira, de Avelãs de Caminho, que fazia, mal chegava, uma enorme cafeteira de café. Tenho uma recordação de almoços barulhentos e intermináveis, de onde eu, mal podia, me escapava para ir para o pé da Alice. E ela deixava-me comer, às escondidas da Mãe, massa de rissol crua”, recorda, entre sorrisos e saudade.
Foi assim que Ana Sofia passou a infância e a adolescência. Em São João da Azenha, entre vinhas, caves e almoços. Não admira, por isso, que seja formada em Engenharia Alimentar, curso que tirou na Escola Superior de Biotecnologia, Universidade Católica do Porto, escolhendo – claro está! – a opção Enologia. “Na altura, o que eu queria mesmo era seguir as pegadas do Pai, e dedicar-me às Caves São João e à Bairrada. Por isso, quis completar o meu curso, técnico, com outro que me deu uma visão global do mundo vinícola: um curso internacional, com alunos de vários países, que viajam pelas numerosas regiões vinícolas do mundo.” Mas a vida encarregar-se-ia de lhe trocar as voltas.
Em 1989, foi pela primeira vez a França, por seis meses, no âmbito de um estágio de investigação num laboratório do Instituto de Enologia de Bordéus. A segunda foi por um ano e meio, para tirar o curso de Gestão e Marketing do Setor dos Vinhos. Foi quando conheceu o marido, seu colega. E à terceira, ficou de vez.

Um castelo medieval em Villars

Ana Sofia veio ao mundo, há 44 anos, no dia em que se celebra o Amor e foi por Amor que, há 18, saiu da Bairrada, para viver algures no centro de França, entre Villars e Châteauroux.
Do casamento com Hubert Vassal nasceram três filhos: Tiago, de 15 anos; Vasco, de 13, e Margaux, de 12, todos bilingues.
Trabalhou até nascer o primeiro filho. “Ainda tentei encontrar um emprego, mas não encontrei nada suficientemente interessante para compensar o afastamento do meu bebé…” Depois o Vasco… e a Margaux.
Ficou em casa, com os filhos, opção de muitas mães, em França, mas nem sempre compreendida pelas amigas portuguesas. Mas, para Ana Sofia, “não tem sentido desvalorizar o papel mais importante da humanidade, que é o de formar outros seres humanos”.
Em 2005, Ana Sofia e Hubert tomam posse da Quinta de Villars, que há mais de quatro séculos pertence à família de Hubert e que este herdou, quando tinha 18 anos, do seu padrinho e tio-avô.
Em Villars, existe um castelo medieval (do séc. XIV) e um “château” do final do séc. XVIII. “O châteaux é a nossa casa e o castelo é onde concentramos toda a nossa atenção”, confirma Ana Sofia de Vassal.
Hubert gere a quinta (a par de outro emprego), há um empregado que trata das vacas de raça charolesa, e Ana Sofia dedica-se ao castelo, “restauro e animação”. Restaurar um castelo medieval, com 2.500 m2 de telhado, não é tarefa fácil. Vale o subsídio do Estado, uma vez que o castelo está classificado como monumento, e agora o casal procura um mecenas, que ajude a concretizar um projeto. “Tencionamos criar uma atividade de turismo cultural, vocacionada para receber famílias – pais com filhos pequenos.”

Saudades das ondas da Costa Nova

Os amigos de Ana Sofia de Vassal são, na maioria, franceses. Reconhece que a sua vida é “um pouco diferente” da da maioria dos portugueses de Châteauroux, o que leva a que não se cruzem. Mas confessa que a deixa triste a atitude dos conterrâneos em França, que têm vergonha das suas origens. “O cúmulo foi uma jovem portuguesa que me pediu baixinho para não falar com ela em português!”
Ana Sofia gostava de passar mais tempo com os pais e alguns amigos, “mas hoje o telefone e a net permitem encurtar consideravelmente as distâncias”.
Vem duas vezes por ano a Portugal, uma semana na Páscoa, quando os filhos podem, e um mês no verão. “Para matar saudades das ondas da Costa Nova, mas sobretudo para a Mãe e o Pai matarem saudades dos netos. Sinto, às vezes, que o papel de famílias como a nossa é muito importante no amadurecimento da Europa.”
Viver em Portugal ou noutro qualquer país do mundo não é, por si só, motivo de felicidade. “Aconselho cada um de nós a viver onde pensa que será mais feliz, seja por razões materiais ou afetivas. Penso que, na vida dos meus netos, viver num ou noutro país da Europa, já não será emigrar, mas simplesmente mudar de região”, afirma Ana Sofia, que não exclui a possibilidade de um dia voltar a Portugal. Mas hoje, o que quer realmente, é viver junto dos seus sonhos, que se chamam Hubert, Tiago, Vasco, Margaux… e Villars.
Oriana Pataco