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Anadia: Bairrada despediu-se de Lopo de Freitas

A região da Bairrada está mais pobre. Faleceu, na passada quinta-feira, dia 28 de novembro, com 85 anos (05/01/1928 – 28/11/2013), Lopo de Freitas que, durante mais de quatro décadas, foi o rosto das Caves Solar de São Domingos, localizadas em Ferreiros (Anadia). Um apaixonado pela região, pelos seus vinhos e senhor de um dinamismo invejável.
Lopo de Freitas faleceu nos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde se encontrava internado há uma semana, na sequência de graves lesões resultantes de uma queda numa das artérias da cidade de Anadia, onde residia. Tinha saído, como fazia todos os dias, para comprar o jornal quando caiu. A gravidade do acidente obrigou a uma delicada intervenção cirúrgica, não resistindo às complicações que entretanto surgiram.
O seu funeral, que constituiu uma enorme manifestação de pesar, realizou-se na sexta-feira, da Capela de S. Sebastião, em Anadia para o cemitério local.

História de uma vida. Em 2008, o Jornal da Bairrada esteve à conversa com Lopo de Freitas, para a rubrica “Impressão Digital”. Na ocasião, deu-nos a conhecer que nascera no seio de uma humilde família; que perdera a mãe prematuramente, facto que terá contribuído para que cedo sentisse o peso da responsabilidade.
Completado o Curso Complementar de Comércio no Colégio Nacional de Anadia, com apenas 16 anos, foi trabalhar, primeiro, para as Caves Solar das Francesas, na Malaposta, e, depois, para as Caves da Curia. Estava na casa dos 20 anos, quando foi chamado a completar o serviço militar, em Tavira e em Coimbra. Regressado a casa, voltou às Caves da Curia, indo, pouco tempo depois, para Sangalhos, desempenhar o cargo de chefe de escritório nas Caves Império. Ali permaneceu por duas décadas, sendo convidado para entrar como sócio-gerente das Caves Solar de São Domingos, onde esteve quase quatro décadas como administrador.
Embora já estivesse retirado da vida empresarial, mantinha ainda presença diária nas Caves e era uma das personalidades mais respeitadas na região. Ao nosso jornal, confessou que dificilmente se reveria noutra profissão, já que toda a sua vida profissional foi feita em torno do setor vitivinícola.
Amante dos vinhos da região e defensor acérrimo da Bairrada, reconhecia que o sucesso dos vinhos São Domingos passavam por uma série de fatores: bons colaboradores e uma equipa jovem, sólida e coesa, com objetivos e estratégia bem definidos. E foi, de resto, esta empresa que marcou o seu percurso profissional.
Embora tenha sido fundada por Elpídio Semedo, na década de 30, desde 1970 passou a ser dirigida por Lopo de Freitas que, ao longo de décadas, a soube consolidar, colocando os seus produtos em lugar de destaque. Os espumantes aqui produzidos são de grande qualidade, mas foram, sem dúvida, as Aguardentes Velhas e as Bagaceiras os produtos que, na década de 80, mais fama deram às Caves. Aliás, a Aguardente Bagaceira São Domingos continua a liderar o mercado devido à sua elevada qualidade.
Ciente de que era preciso evoluir e inovar permanentemente, sublinhava como foi determinante para a São Domingos investir e procurar a constante inovação dos meios de produção e de vinificação, que permitiram elevar a qualidade dos vinhos e reforçar a competitividade empresarial e o prestígio da marca São Domingos, concretizado durante a sua administração.
Já naquela altura e face à sua jovialidade, eloquência, boa disposição e senhor de uma forma física invejável, dizia que para tal contribuíram os seus hábitos alimentares regrados e o caminhar bastante a pé: “levanto-me, no inverno, por volta das 8h e depois vou buscar o jornal, a pé. Ando todos os dias cerca de 40 minutos a pé”. Apesar da idade, confessava-se atento às novas tecnologias, não dispensando o computador, não só para “navegar” na internet e ver e-mails, mas também aceder à sua página no facebook, revelando ainda gostar de ler, ver televisão e ouvir música.

Homenagem do Lions Clube da Bairrada
Companheiro e Amigo de fino trato, ouvindo muito e com muita atenção no diálogo com todos. Diplomata por excelência, gerindo com elegância qualquer diferendo, evitando situações de melindre que pudessem gerar-se à sua volta e desarmando com o seu calmo sorriso qualquer assomo de excesso verbal.
O seu feitio calmo que poderia levar a julgamento errado quem o julgasse introvertido, escondia o seu gosto por uma boa conversa sobre tema que o interessasse, o seu rápido e correto julgamento das situações e o seu fino sentido de humor.
Na minha opinião, era um perfeito relações públicas, com quem dava gosto conviver.
A sua posição perante a vida e o seu percurso como profissional, numa caminhada que o levou a empresário de sucesso, não impediu que aumentasse paralelamente o verdadeiro sentido associativo que norteou a sua ação como cidadão numa cidadania ativa, pela participação nas mais diversas manifestações sociais de solidariedade e de crescimento da comunidade anadiense, em todos os sentidos.
Assim, era membro sempre ativo do Lions Clube da Bairrada, onde passou durante 33 anos por todos os cargos diretivos desde tesoureiro a Presidente.
Foi Diretor durante vários mandatos da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Anadia.
Grande Benemérito desta Associação Humanitária, enquanto Administrador das Caves S. Domingos- Ferreiros.
Sócio desde a primeira hora da APPACDM de Anadia, associação onde desempenhou durante mais de 10 anos diversos cargos nos órgãos sociais, nunca aceitando assumir cargos de direção mas mantendo sempre a condição de benemérito.
Era Irmão da Santa Casa da Misericórdia de Anadia, foi sempre seu membro ativo, desempenhando o cargo de Presidente da Assembleia Geral da irmandade durante dois mandatos, de 2004 a 2010.
Para além da sua atividade ligada essencialmente aos vinhos, foi fundador há várias décadas da empresa Lopo, Matos & Gamelas e da sua associada Anadil, de que foi desde sempre administrador não executivo, consideradas das mais cotadas comercialmente e em projectos sucessivos de crescimento em várias áreas, desde materiais enológicos, até à mediação de seguros, passando pelo fornecimento de gás e material eletrodoméstico.
Luís Ventura

Mais um grande bairradino que parte
Em pouco tempo, a Bairrada perdeu alguns dos seus melhores filhos. Depois de Luiz Costa, o engº Mário Jorge Santiago. Agora, o nosso querido Lopo de Freitas.
Deste homem admirável ficará, sem dúvida, a imagem do gestor que catapultou as Caves S. Domingos para um patamar de prestígio invejável, graças à sua muita competência, simpatia e honradez que o impuseram ao respeito geral. O engº Manuel Oliveira Silvestre contou-me que, quando lhe disseram que o sr. Lopo iria abandonar as Caves Império para liderar as Caves S. Domingos, ele, que bem conhecia as suas qualidades, comentou: “Com o Lopo, isso só pode dar certo”.
Era, na verdade, um cavalheiro distinto, afetuoso, delicado, cheio de atenções com os seus muitos amigos, em suma, um daqueles “Senhores” que, infelizmente, começamos a imaginar como homens do passado.
Empenhou-se nos movimentos e organizações mais significativos da Bairrada vitivinícola: Confraria dos Enófilos da Bairrada, Comissão Vitivinícola da Bairrada, Academia do Vinho da Bairrada, prezando o trabalho discreto e fecundo. Falava pouco, mas a sua palavra era escutada com enorme respeito.
A amizade que nos ligava, levou-o a aderir, desde a primeira hora, ao Círculo de Cultura Musical da Bairrada, de que foi Presidente do Conselho Fiscal e um frequentador assíduo dos concertos de Oliveira do Bairro.
Foi, pois, um longo e enriquecedor convívio que me impôs o dever de dedicar à Adriana Freitas uma sentida evocação do seu amado esposo. Não consegui, afinal, passar deste pálido retrato, querida amiga. Mas, pensando bem, a grandeza de homens como o Lopo dispensa os excessos de eloquência. Basta-lhe a recompensa que Deus nosso Senhor reserva aos puros de coração.
A. Dias Cardoso