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Anadia // Ancas // Bairrada  

Vagos: Peregrinação de Ancas sem acolhimento religioso

Afinal, nem sempre a tradição é para cumprir. Que o digam as dezenas de peregrinos da paróquia de Ancas, que na última sexta-feira cumpriram, em Vagos, mais uma promessa ancestral.
Chegaram à hora aprazada, por volta das sete da tarde, depois de terem atravessado a pé terras bairradinas. Mas não tinham qualquer entidade religiosa a recebê-los. Nem padre, que à mesma hora rezava missa, nem diácono, este ausente por razões de saúde.
“Que me lembre, nunca tal aconteceu”, confessou-nos, desacorçoado, um antigo juiz da igreja de Ancas, devoto confesso da Senhora de Vagos, que não quis identificar-se. Apesar de não ter feito a totalidade do trajeto a pé (diz que foi forçado a parar, em Bustos, “por causa da perna”), acabou por reconhecer que “o povo não teve o devido acolhimento”.
Tal situação, que terá deixado igualmente perplexo o juiz da igreja e restante mordomia, acabaria resolvida com a intervenção de um leigo. Habituado às causas religiosas, Basílio Oliveira acompanhou a procissão, desde o monumento do Poder Local, até à igreja matriz, tendo presidido à recitação comunitária do terço.
Alguns peregrinos pernoitaram no quartel dos bombeiros, utilizando esteiras “como antigamente”, enquanto outros regressaram a casa. Segundo o juiz da igreja, que desvalorizou o que se passou no acolhimento, a adesão de peregrinos “está estabilizada, se bem que este ano até tenha aumentado”. Os jovens continuam a “gostar desta experiência de fé”, admitiu Vítor Rosa Simões, confirmando que os idosos aproveitam “boleia” dos familiares e “não costumam faltar à missa”.

Cânticos e ladainhas. No sábado, a alvorada foi às sete, com os peregrinos na estrada, em procissão, rumo ao santuário da Senhora de Vagos. Foram agradecer, com cânticos e ladainhas, o “dom da chuva” que nos séculos XVII ou XVIII veio pôr ponto final na prolongada seca, de sete anos, na região da Bairrada.
Para além do juiz da igreja e respetiva mordomia, marcaram presença na procissão as mordomas de S. Martinho, que haviam transportado, à cabeça, o pesado tabuleiro com as lanternas e a cruz de prata da paróquia de Nossa Senhora da Assunção. Antes da missa, celebrada pelo pároco de Ancas, Pe. João Carlos Carvalho, o cortejo deu três voltas à capela. No final da celebração, o juiz Vítor Simões prestou contas, tendo deixado, no santuário, a contribuição monetária recolhida na freguesia.
Organizado pela “juíza”, Maria Manuela Seabra, o almoço de receção aos peregrinos não se realizou este ano em Amoreira da Gândara, devido a obras no local, tendo decorrido em Ancas, no parque da Lagoa do Paul.
Eduardo Jaques
Colaborado