Chama-se Quinta da Vacariça o mais recente projecto vitivinícola que começa a tomar forma em Tamengos (Anadia). Pela mão do francês François Chasans, esta propriedade, que já ultrapassa os 2 hectares, tem a Baga como casta de eleição.
Quinta da Vacariça “em homenagem aos monges beneditinos fundadores da abadia da Vacariça e aos monges cistercienses”, revela em conversa com JB, François Chasans, dono de uma garrafeira independente nos arredores de Paris, desde 1990, que agora está determinado em fazer vingar um arrojado projecto em pleno coração da Bairrada.
A sua paixão pelo vinho começou ainda jovem. Tinha pouco mais de 17 anos e uma volta a pé pela França vitícola foi responsável por esse despertar para o vinho. “O meu interesse pelo vinho, não é pelo gosto do vinho mas pela sua cultura humanista”, diz, revelando que nessa deslocação encontrou “pessoas excepcionais ligadas ao vinho”, nomeadamente em Borgonha, que o ajudaram a abrir horizontes.
Mas foi durante a sua primeira passagem por Portugal, em 1998, de visita à exposição universal de Lisboa, que recorda ter provado “um vinho da Bairrada aceitável”. E assim começou a sua aventura pelo mundo do vinho em Portugal. Seguiram-se anos de prospecção, provas, estudo de solos e do clima, encontros que culminaram, em 1999, com a compra da primeira parcela em Tamengos. A parcela da Cardosa assim designada, foi reestruturada, numa encosta com 2,8 ha, onde procedeu à plantação na monocasta Baga. No entanto, conservou ainda uma vinha centenária de Baga, com alguns pés de Bical, Maria Gomes, Rabo de Ovelha e Cercial.
“Fazer um grande vinho é como pintar uma obra-prima”, afirma, defendendo que a pessoa deposita parte da sua personalidade em cada vinho que faz nascer. (O seu primeiro vinho estará pronto para comercialização no final de 2012.)
Embora seja casado com uma portuguesa (Maria do Céu Eleutério, originária da Lourinhã – Estremadura), diz que tal facto não justifica a sua afeição por Portugal. Encontra como uma das maiores qualidades de Portugal o seu factor humano. Um país com o qual se sente comprometido, “onde desejo viver e lutar por ideias”.
Foi na “casa do lavrador” que adquiriu em Horta (Anadia), composta por casa de habitação, adega e cave enterradas, que nos revelou que a força e um dos maiores trunfos de Portugal reside na grande riqueza de castas autóctones, únicas no mundo. “Únicas pela variedade, pelo carácter particular e originalidade de cada casta que pude provar”, acrescentou, sublinhando que a região da Bairrada possui mesmo um dos “maiores potenciais do mundo”.
Se assim não pensasse, teria ficado por França. Por isso não se coíbe de fazer um paralelismo entre a Bairrada e a grande Borgonha vitícola. Ambas se caracterizam por uma micro parcelização dos solos, individualismo extremado, cultura humanista e também por uma cultura de monocasta. Na Bairrada, a Baga, que considera extremamente exigente, mais do que qualquer outra casta, é a sua casta de eleição.
“A Baga tem a capacidade particular neste clima de ampliar a expressão de cada parcela onde é cultivada, mais do que qualquer outra casta”, diz François Chasans, avançando que “a Baga é particular no mundo ao nível do paladar. É muito complexa, está sempre em evolução”.
Prefere não revelar o avultado investimento já realizado na região, diz, contudo, que “se fizesse contas, parava já”, sublinhando que rendimentos da terra só os haverá dentro de uma década, “para os filhos”. Aliás, pais de três filhos – Alexandra, de 21 anos; Maximilien, de 15 e de Charles, de 17 anos -, este último será, por certo, o seu sucessor no mundo do vinho, pois é também um apaixonado pela viticultura, tendo já passado pela adega Anne Claude Leflaive, com formação profissional em viticultura e enologia e agora aprendiz na Adega de Romanée Conti.
Defensor de que a Bairrada tem o maior potencial de Portugal, da Europa e do mundo, François Chasans diz que “a Bairrada, daqui a 10 anos, estará num outro patamar evolutivo”. Daí defender que os produtores bairradinos devem “cultivar a diferença, na busca da excelência”. Para isso, é preciso “curiosidade, audácia, obstinação, respeito pelo meio ambiente e do saber fazer”, ou seja “ancorado num património milenar, é possível inscrever perfeitamente a Bairrada na modernidade, se considerarmos que a modernidade é remar contra a corrente dos modelos actuais”.
François Chasans defende mesmo que o país tem de saber tirar partido da sua localização geográfica periférica na Europa: “sem tentar imitar as maiores potências, Portugal tem todas as hipóteses de se desenvolver, cultivando todas as suas diferenças, produzir para nichos de mercado”.
“Quando somos pequenos, devemos cultivar a diferença, a excelência e a Bairrada é excelente para isso”, acrescenta.
Contudo, não deixa de lamentar que os bairradinos sejam complexados em relação ao seu património vitícola, assim como considera que estão a descurar o amor que é necessário depositar no que se produz: “antigamente trabalhava-se por amor à vinha. Hoje, procura-se o dinheiro rápido”. Por isso diz que trabalha por um ideal e não para ganhar dinheiro.
Catarina Cerca