A Assembleia Municipal de Anadia aprovou, na última segunda-feira, por unanimidade, uma moção de repúdio por causa do “Ensaio para a Reorganização da Estrutura Judiciária”, apresentado pelo Ministério da Justiça e que está a gerar grande controvérsia.
PSD, PS, CDS/PP e CDU foram unânimes em considerar, no caso concreto do Tribunal de Anadia, a proposta de reorganização “inaceitável, incoerente e injustificada”, uma vez que propõe nada mais, nada menos do que “o esvaziamento do Tribunal de Anadia que, ao longo das últimas décadas, tem sido uma referência da região e um polo dinamizador da economia local”, nomeadamente para a restauração, cafetaria e hotelaria, com grande movimentação de advogados, autores, réus e testemunhas a darem uma outra dinâmica ao centro da cidade. Por isso, dizem que se o principal argumento subjacente a esta proposta é uma visão meramente economicista, então “falha clamorosamente” porque vai acentuar assimetrias, quando uma reforma, seja ela qual for, deve sempre, pelo menos, tentar atenuar as existentes. Daí, que os deputados anadienses considerem a proposta para Anadia, “no mínimo estranha”, já que as “incoerências são flagrantes quando comparado com o que se propõe para concelhos vizinhos”.
Na moção, que seguiu para a tutela, é também referido que o grandioso edifício onde está instalado o Tribunal, datado de 1966, se encontra localizado no centro da cidade. Um equipamento cuja última grande remodelação aconteceu em 2009, na sequência da constituição da Comarca do Baixo Vouga, num conjunto de melhoramentos que ultrapassou os 750 mil euros. Foi criada uma nova sala de audiências, diversas salas de apoio, modernas e funcionais infraestruturas e tecnologias de segurança e comunicação.
Ao longo de 14 páginas que integram a moção de repúdio já enviado para o Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro Ministro e Ministra da Justiça, é ainda referido que este Tribunal assumiu, em 2009, o funcionamento de um Juízo de Grande Instância Cível, um Juízo de Média e Pequena Instância Cível e um Juízo de Instância Criminal, servido por um total de quatro juízes, três magistrados e 28 oficiais de justiça. Por isso, a Assembleia Municipal de Anadia condena agora o que diz ser “um esvaziamento” do Tribunal, já que a reforma dita a retirada deste Tribunal do Juízo de Grande Instância Cível, mantendo-se apenas um Juízo de competência genérica Cível e Criminal, assim como o número de Juízes passaria de quatro para apenas um, o número de magistrados do Ministério Público desceria de três para um e o de Oficiais da Justiça de 28 para apenas nove. Por outro lado, entendem haver um total “desconhecimento das estruturas judiciárias locais existentes, bem como os dados e valores utilizados para justificar a reforma apresentada”.
Exigências. Os deputados anadienses exigem que a Tutela mantenha o modelo atual de mapa judiciário, no que concerne à Comarca do Baixo Vouga, mas reivindicam ainda a reformulação da proposta de reorganização do Mapa Judiciário, uma vez que querem que se mantenha em funcionamento neste Tribunal o Juízo de Grande Instância Cível, e que ali seja também instalada uma secção de competência especializada, como por exemplo a Secção de Família e Menores, atualmente a funcionar no Tribunal de Oliveira do Bairro e criada uma Secção de Execução ou de uma Secção de Comércio, dado o estrangulamento que nestas áreas se verifica nos Tribunais de Águeda e de Aveiro.
“Uma aberração”. Na oportunidade, Cardoso Leal, líder da bancada socialista, referiu as preocupações da sua bancada face ao anunciado. Embora defendam a utilização racional dos recursos existentes, assim como a eficácia dos mesmos, os socialistas consideram esta proposta “irracional e inaceitável” por transferir competências deste Tribunal para outros locais que não têm os mesmos recursos que o Tribunal de Anadia. “Esta reforma despreza uma tradição: a comarca de Anadia tem uma experiência adquirida e consolidada com quase 200 anos”, referiu Cardoso Leal, considerando a proposta de reorganização “um absurdo, uma aberração desprestigiante”.
“Estamos do lado da Câmara neste assunto tão grave, e deixo um apelo ao PSD e ao CDS/PP, representados no Governo e aqui, para que usem toda a sua influência para evitar esta aberração”, referiu.
Neste processo, constata-se ainda que o Tribunal de Anadia estará condenado a ser o tribunal com menos relevância no distrito, funcionando como uma mera secção do Tribunal da Comarca de Aveiro, dotado de competências genéricas, circunscrito ao município e desprovido de secções de competência especializada. Por isso, a Assembleia alerta para esta reorganização, que retira eficácia e qualidade aos serviços de justiça prestados aos cidadãos do concelho, mas também para o facto de Tribunais de concelhos limítrofes, dotados de instalações insuficientes e degradadas e com volume processual inferior em manterem ou aumentar as atuais estruturas.
A Assembleia não encontra justificação no modelo de reorganização proposto para que o Tribunal de Oliveira do Bairro mantenha a sua estrutura, apesar de se encontrar a menos de 10 quilómetros de Anadia, servir uma população com menos 6 mil habitantes e se encontrar instalado num edifício sem condições. Por outro lado, avançam que se constata já uma asfixia nos serviços face à concentração de processos de execução no Tribunal de Águeda e de falências no de Aveiro.
O autarca Litério Marques, que já pediu uma audiência à Ministra, diz exigir ser recebido “sob pena de termos de tomar atitudes menos convenientes”, lamentando ainda que sejam sempre os mesmos (Governos PS ou PSD) a penalizar o concelho. “Não é humanamente razoável um encerramento desta natureza”, concluiu.
Advogados de Anadia tomam posição
∑ Na última segunda-feira, a delegação de Anadia da Ordem dos Advogados esteve reunida para debater esta matéria. A JB, o advogado Almeida Lopes adiantou que os advogados presentes confirmam a posição que já era conhecida e consensual, de não aceitação da proposta de reorganização do mapa judiciário. “Vamos, por todos os meios possíveis, tentar inverter esta proposta que determina o quase completo esvaziamento do Tribunal das suas atuais competências”, diz, avançando que ficou decidido elaborar um documento que expressará a posição da classe, assim como exigir a manutenção da Grande Instância Cível, defender a instalação de mais secções de competência especializada, na medida em que 30% do espaço do Tribunal está livre, podendo albergar mais serviços para melhor servir as populações.
Atualmente, em Anadia, existem cerca de 40 advogados em exercício.
Catarina Cerca
catarina@jb.pt