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Bairrada // Crime da Mamarrosa  

Ministério Público pede 20 anos de prisão para Ferreira da Silva

O Ministério Público (MP) pediu, na terça-feira, uma pena de prisão não inferior a 20 anos por homicídio qualificado para o homem acusado de ter matado a tiro o ex-companheiro da filha, na Mamarrosa. O Procurador da República pediu ainda a alteração da medida de coação de prisão domiciliária com vigilância eletrónica para prisão preventiva, caso o arguido seja condenado em primeira instância, devido ao perigo de fuga. Já o advogado dos assistentes, José Ricardo Gonçalves, pediu uma pena que “só não deverá chegar aos 25 anos, pelo facto do réu ser primário”.
O advogado do arguido, Celso Cruzeiro, entende que Ferreira da Silva deve ser condenado por legítima defesa e num quadro de homicídio privilegiado (moldura penal de 1 a 5 anos).
O crime ocorreu no dia 5 de fevereiro de 2011, quando a vitima, o advogado Cláudio Rio Mendes, visitava a filha de três anos, conforme determinado no processo de regulação do poder paternal, no parque do Rio Novo, na Mamarrosa.

Legítima defesa. Na tarde da última terça-feira, Celso Cruzeiro, dirigindo-se aos jurados, começou por alegar que não veio ao tribunal para absolver o arguido. “Ele está aqui para ser condenado. Não é no domínio dos jornais e no meio do ruído que deve ser julgado, pelo que os jurados deverão pensar atentamente”. Desta forma, Celso Cruzeiro entende que o arguido deverá ser condenado por legítima defesa e num quadro de homicídio privilegiado (moldura penal de 1 a 5 anos). “Um arguido que disparou tudo e depois continuou a disparar em seco, não podia estar em frieza de ânimo.” “Não é possível concluir por homicídio qualificado.”
Sobre a alteração da medida de coação, Celso Cruzeiro referiu que “o Procurador promoveu a revogação da medida de coação do arguido, mas com base em quê? O arguido tem cumprido religiosamente tudo. Agora há a questão da consulta, mas o arguido esteve em algum sítio a fugir às suas responsabilidades? O arguido foi ao Porto, acompanhado de um oficial de segurança. Há aqui alguma violação das regras?”
Deixou ainda claro que este processo será discutido no Supremo Tribunal de Justiça, que lhe tem dado razão nestes 40 anos de advocacia. Afirmou ainda que o arguido devia ter sido notificado da alteração da moldura do crime de homicídio qualificado atípico, com prazos para defesa, deixando antever que recursos deverão ser interpostos.
“Este homem matou. Matou um homem a quem ele dedicou três anos a recuperar. Este homem, com 64 anos, dispara todas as balas e todas as que não tinha. Será que a acusação não pensa, que os jurados pensam? Como é que um homem destes faz isto aos 64 anos, e dá cabo da vida dele?” “Acham que ele atuou de forma fria quando dispara seis balas, dispara tudo? As acusações abusaram da vossa inteligência, quando dizem que foi com frieza de ânimo que Ferreira da Silva agiu. Com frieza de animo! É quando alguém vai a um determinado lugar para matar. Não é isto.”
“Não estou a dizer que não cometeu nenhum crime. Vejam o que ele fez, o que ele suportou, até lhe soltar a mola”, afirmou Celso Cruzeiro, perante o tribunal completamente a abarrotar.
“Este homem dedicou muito tempo a um homem, até o levava de férias. A mãe do Cláudio chegou a dizer que ele passava mais tempo lá [na Mamarrosa] do que na sua própria casa.”
“Arranjaram-lhe um escritório em Aveiro, férias no Algarve. A relação tinha terminado e o arguido continuava a apoiar o Cláudio. Dois dias antes da tragédia, o Ferreira da Silva estava a tentar ajudá-lo. Isto é que é premeditação?”, alegou Celso Cruzeiro,afirmando que “o arguido estava, seriamente, preocupado com a vítima. Em que filme é que vocês conhecem um monstro que andava a pagar as contas, levá-lo ao médico e depois pensa em matá-lo?”
Celso Cruzeiro reforçou que “não queremos absolver o arguido, queremos ter a consciência da medida correta, que não seja injusta e desproporcional”.
Sobre o filme dos acontecimentos, Celso Cruzeiro recordou que “o arguido, desde as primeiras declarações, disse que o Cláudio tinha um volume nas calças. E isso verificou-se na análise ao filme. E daí, o MP pergunta, por que é que não impugnámos o filme? Nós não impugnámos o filme, porque nos interessa que vejam o filme. O Ministério Público queria que mamassemos o filme!!! Foi nos laboratórios que vimos essas imagens? Foi, sim. Os laboratórios são um incómodo, porque vão ao fundo e descobrem a verdade.”
Sobre os pareceres efetuados, Celso Cruzeiro defendeu que as pessoas são responsáveis por aquilo que fazem, afirmando que “se não fosse assim, isto seria uma república das bananas”.

Relação obsessiva. Sobre a relação da Adriana com o Cláudio,Celso Cruzeiro referiu que “o Cláudio gostava imenso da filha, mas tinha uma relação obsessiva. Às vezes vinha todos os dias à Mamarrosa”. “Vimos aqui momentos bons com a filha, mas também existiam os maus”, acrescentou, de forma emocionada, o defensor do arguido.
“Não estamos a trabalhar com monstros que entram pelas janelas, mas com a natureza humana. Há coisas boas e outras menos boas.”
Relativamente à possibilidade de Cláudio Rio Mendes andar armado, Celso Cruzeiro relembrou que foi o próprio que “disse que tinha uma arma para defender as mulheres dele. Admitiu que matava o Ferreira da Silva”. “Se tinha comprado uma arma ou não, não é uma questão essencial. O essencial é se o arguido pensa que o Cláudio podia andar armado”, alegou.
Com o filme do crime projetado na sala de audiências, Celso Cruzeiro destacou o momento em que a vítima leva a mão ao bolso e diz: “toda a gente para ali”, assim como o arguido, após ter disparado, afirma em ato contínuo: “levem-no ao hospital”.
A falta de lágrimas de Ferreira da Silva levou o causídico a explicar que “a ressonância interna é diferente de pessoa para pessoa. Há pessoas que se fecham. Temos que ter uma análise científica do fenómeno”, recordando que “na Grécia antiga eram contratadas carpideiras para chorar de forma intensa”.

Dolo intenso. Durante as alegações finais, que decorreram no Tribunal de Anadia e que duraram toda a tarde do dia anterior (segunda-feira), o procurador Fernando Brites considerou ter ficado provado que o arguido agiu com “dolo muito intenso e elevado grau de ilicitude”.
Segundo o magistrado, o presumível homicida “revelou forte tenacidade ao disparar várias vezes contra a vítima, estando ela de costas e em fuga após o primeiro disparo”.
“Afastada a emoção violenta e o crime de homicídio privilegiado e a legítima defesa real ou putativa, resta a realidade nua ou crua que o filme mostra: o arguido agiu com intuitos puramente agressivos e letais ao disparar contra a vítima”, concluiu.
O procurador considerou ainda que António Ferreira da Silva “não revelou arrependimento pelo ato que praticou, nem compaixão pela vítima”. “Quem assiste impávido e sereno à descrição do funeral da vítima, não sente verdadeiro arrependimento”, afirmou.
“A testemunha Isabel Maria, na 14.ª sessão, foi muito clara: a ressonância interna só pode existir quando há arrependimento. O arrependimento só existe se houver ressonância interna. Por isso, a acusação pública continua a entender que o arguido não se arrependeu pelo ato que praticou, como verdadeiramente não se podia arrepender.” Daí que o MP tenha pedido ao coletivo de juízes e aos jurados a condenação do arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado e uma pena de prisão “não inferior a 20 anos”.
Quanto ao crime de detenção de arma proibida, o MP considerou que o presumível homicida deve ser absolvido, sem prejuízo da instauração de processo de contraordenação.

O mau da fita. O Procurador Fernando Brites recordou que “a vítima abatida à queima-roupa, de forma fria, passou a ser o mau, um doente mental, um carrasco da família Ferreira da Silva, enquanto que o arguido se transformou em vítima do próprio homicídio”, sublinhando que “a Ana Joaquina se apresentou, neste julgamento, como uma vítima do Cláudio. Pelos vistos, demorou 16 anos à descoberta da alegada doença”.
O Procurador destacou que “havia uma sintonia entre a Ana Joaquina e o seu pai. Tratava-se de um filme a rodar ao contrário que seria hilariante se não fosse trágico”.
Sublinhou ainda que “o arguido e a sua filha, Ana Joaquina, foram levantando sucessivos, e cada vez mais graves, problemas de relacionamento entre o Cláudio e a sua filha, com o objetivo de afastar o pai da criança”. Assim, “a morte surge como um desfecho natural, como um castigo para um doente mental, um castigo para o Cláudio mau. Um castigo para o Cláudio que devia estar numa jaula, como foi dito pelo arguido”.
Perante tais factos, “o tribunal não pode dar como comprovado o arrependimento do arguido, pois o objetivo final do arguido e da sua filha Ana Joaquina foi afastar de uma vez por todas o pai da filha. O pretexto foi a alegada doença do Cláudio”, acrescentou.

Acidente de percurso. Para o Procurador, “a morte do Cláudio – pai da sua filha ou que se presume que seja – foi para a Dra. Ana Joaquina um mero acidente de percurso”.
Destacou ainda que “o depoimento de Ana Joaquina se prolongou por duas ou três sessões, mas esta só fugia às questões que iam sendo colocadas. Depois, mostrou-se com um estilo muito próprio que defino com três palavras: falar, emendar e remendar”.
Defendeu ainda que a doença foi o pretexto do afastamento do Cláudio Rio Mendes, contudo, “a Ana Joaquina seguiu a via do direito, através da instauração de um processo de inibição parental”. Desta forma, “pretendeu obter uma sentença que agastasse o Cláudio, enquanto que o arguido seguiu o caminho da violência”. “Dois caminhos diferentes, mas com o mesmo objetivo: afastar o Cláudio da sua filha Adriana”, acrescentou.
O Procurador Fernando Brites recordou também que “os factos principais, que estão em discussão, foram gravados. Há um filme destes atos, mas o óbvio às vezes passa despercebido: o arguido vestiu um casaco cumprido para ocultar o revólver. E a vítima? Levava umas calças de ganga. E depois fala-se em legítima defesa!”
Relativamente ao gesto do saque de arma, tantas vezes enumerado pela defesa, o Procurador afirmou que “na ação real, nem o arguido nem qualquer outra pessoa no local viu tal gesto, ninguém se assustou”. Porém, “a defesa viu o filme seis ou sete vezes e lá encontrou o tal volume, o tal gesto. E então, sim, aparece o gesto milagroso. E tudo se resume entre vida real e realidade virtual”.
Já sobre os pareceres que foram surgindo ao longo do julgamento, o MP disse não pretender adjetivar o autor dos pareceres, afirmando, no entanto, que “ no caso do parecer elaborado por José Pereira Vinhal, devia ser equacionada a possibilidade de um crime de usurpações de funções”.

Apelos. A terminar as alegações, o Procurador apelou aos pais do Cláudio e a todos os familiares que “chegou a hora de enterrar o machado de guerra e pensar no presente e no futuro da Adriana”. “O Cláudio pagou com a própria vida a ousadia de desafiar a família Ferreira da Silva e pelo facto de lutar por ser pai”. Por isso, “a melhor homenagem é contribuir para o rápido regresso da Adriana ao convívio dos avós paternos e dos seus tios. Isto é para o interesse de todos e é o desejo da Adriana, nem que para isso signifique cerrar os dentes ou engolir sapos”.
O segundo apelo foi dirigido aos jurados que “fazem parte deste tribunal. São chamados a decidir a medida da pena, mas vejam os filmes, junto aos autos, antes de decidirem”.

Perto dos 25 anos de prisão. José Ricardo Gonçalves, advogado dos pais do falecido, também pediu a condenação do arguido pela prática do crime de homicídio qualificado numa pena que “só não deverá chegar aos 25 anos, pelo facto do réu ser primário”, além de uma indemnização civil no valor de 350 mil euros.
A defesa dos assistentes recorreu à exibição do vídeo filmado no momento em que o crime ocorreu, em que se vê o arguido, com a neta ao colo, a disparar sobre a vítima, para destacar alguns dos momentos que considerou serem mais importantes.
O causídico realçou que o arguido proferiu seis vezes a palavra ”acabou”, após ter efetuado os disparos, considerando que se tratou de uma reação de “missão cumprida”. “Obviamente que Ferreira da Silva estava consciente do que estava a fazer, para quem disparou, com quem disparou e sempre com a Adriana ao colo”. “Não há um ato tresloucado do Ferreira da Silva”, alegou José Ricardo Gonçalves, sublinhando que se tratou de um episódio de “rara violência, crueldade e brutalidade”.
Lembrou que o arguido “correu em direção ao Cláudio a disparar pelas costas, sempre com a neta ao colo, à queima-roupa, por causa de uma bofetada”.

E a esposa de Ferreira da Silva? José Ricardo Gonçalves disse registar a ausência da esposa de Ferreira da Silva – que não foi arrolada pela defesa – uma vez que esteve no Parque e podia responder a algumas perguntas, nomeadamente: O que esteve a fazer no famigerado dia 5? Por que esteve especada, junto à ponte a ver o Cláudio com a sua filha? Por que agarrou o Cláudio no meio da confusão? Por que não se assustou no meio daquilo tudo? Por que não gritou, a dizer que o Cláudio estaria a tentar tirar alguma coisa do bolso? Por que é que se dirigiu ao marido quando este iniciou os disparos, aparentemente para lhe tirar a Adriana do colo e não para evitar o que quer que seja? E por último, por que é que foi olhando para o que se estava a passar como se nada fosse?
Sobre a Ana Joaquina, José Ricardo Gonçalves disse ter registado, ao longo do seu depoimento, a ausência de uma única palavra que fosse, de sentimento de saudade de quem conviveu durante 16 anos com o Cláudio. “Não ouvimos uma única palavra. Zero! Nem uma única palavra, já para não falar de elogios ao nível profissional, como foram feitos por tantas testemunhas.”
Alegou ainda que “a defesa tentou, relativamente ao filme, lançar alguma confusão, nomeadamente sobre ficheiros que foram eliminados”. “Parece claramente um fait divers. A questão do filme, é tentar fugir do essencial”.