Na região da Bairrada vindimam-se os últimos cachos. Agora e durante os próximos tempos, a grande azáfama passa dos vinhedos para as adegas, onde os novos néctares bairradinos começam a tomar forma.
Por isso, é já possível realizar com mais precisão um balanço do que é a colheita de 2016. Uma safra que fica marcada por uma quebra significativa (até 30%) nas castas brancas, mas sem expressão nas tintas.
Já em matéria de qualidade, essa será bem melhor, arriscando alguns produtores a equipará-la à excelência de 2015.
Embora S.Pedro tenha sido generoso durante o período de vindimas, com dias quentes e o sol a brilhar, a colheita deste ano foi condicionada pela chuva que, na primavera, favoreceu o aparecimento de doenças e pragas, e consequentemente uma menor nascença.
Pedro Soares, presidente da Comissão Vitivinícola da Bairrada, acredita que, em termos qualitativos, “esta poderá ser uma colheita bastante positiva”. O mesmo já não acontece em relação à quantidade, na medida em que “regista uma quebra nunca inferior a 20%, com destaque para uma quebra acentuada nas uvas brancas.”
A justificação está nas condições climatéricas que se fizeram sentir, especialmente nos meses de maio e junho, “com pouca luz solar e alguma chuva”, que terão sido determinantes para a “pouca floração” mas também ao surgimento de algumas doenças (caso do míldio) que condicionaram o ciclo de produção das plantas, em especial das uvas brancas.
Na região, as vindimas começaram em agosto, prolongando-se durante o mês de outubro, já que a maturação, em geral, se atrasou algumas semanas. Ou seja, na altura em que esta edição está a sair para as bancas, a vindima está a terminar, com a casta autóctone, a casta rainha – Baga – já que as condições meteorológicas permitiram que esta completasse o seu ciclo sem ter que ser colhida de forma antecipada devido às chuvas.
Pedro Soares revela ainda que para os espumantes, em geral, e para os cada vez mais notáveis Baga-Bairrada, a colheita deste ano tem reflexos que apontam naturalmente para uma “menor quantidade mas boa qualidade”.
A JB sublinha ainda que os mais recentes prémios conquistados pelos vinhos da região demonstram que a Bairrada aposta cada vez mais na qualidade. Por isso falou no EVSB (Encontro com Vinhos e Sabores Bairrada) que a região vive, hoje, uma boa onda: “A Bairrada tem estado, pelas melhores razões, referenciada na crítica nacional e internacional e o valor médio pago pelos seus vinhos tem vindo a aumentar. Logo esta é uma boa onda”, justifica, deixando a nota de que “existe também um conjunto bem mais alargado de produtores a certificar os seus produtos, nos dias de hoje”.
Anadia
Carlos Campolargo é o maior produtor da região (174 hectares). Com a vindima concluída durante esta semana, diz não gostar de fazer grandes previsões sobre a colheita que chega agora à adega.
Por isso se compreende que em matéria de qualidade, dela só falará depois do vinho feito. Mas lá vai acrescentando que as uvas, na chegada à adega, se apresentavam saudáveis e razoavelmente perfeitas.
Ao JB admite, contudo, que a quantidade é absolutamente inferior à média. Nos brancos a perda diz ser muito grande, devido a fatores climáticos (houve chuva até junho), ao desavinho e às doenças.
Luís Pato nos seus cerca de 60 hectares de vinha, diz que a quebra nos brancos rondou os 20%, devido às condições climáticas – muita chuva no inverno e na primavera e um verão extremamente quente e seco.
Apesar da quebra no volume, a qualidade essa é bem melhor. “Seria de esperar um mau ano, como todos os anos acabados em 6, mas este veio demonstrar o contrário”, diz, acrescentando: “O ano de 1986 foi muitíssimo mau, o de 96 já foi relativamente bom, em consequência da introdução da monda; o ano de 2006 foi mau, tive apenas vinho corrente e Pé Franco. Esperava que 2016 viesse nessa linha. Não é tão bom como o ano de 2015 mas é de qualidade inesperada para um ano 6”.
Nas Caves S.João (Sangalhos) a vindima termina esta semana e Célia Alves, gestora desta prestigiada empresa, confirma a quebra na produção, sentida mais nos brancos (20 a 25%).
“Nos tintos não sentimos isso. Temos uma boa colheita”, diz, revelando que nos 37 hectares da Quinta do Poço do Lobo (Cantanhede) nunca se vindimou tão tarde. “Começámos a vindima no início de setembro. Terminamos esta semana, mas vamos regressar à vinha lá para novembro, para fazer o colheita tardia”.
Para esta responsável, as condições meteorológicas condicionaram e muito a safra: “choveu até muito tarde, logo seguido de um calor abrupto e excessivo. O pintor fez-se mais tarde”. Ainda que prefira não se pronunciar sobre a qualidade, pois considera prematuro, admite estar com grande expectativa, já que as uvas saíram muito sãs das vinhas.
Oliveira do Bairro
Paula Gala possui adega no Troviscal, Oliveira do Bairro, sendo a maior produtora deste concelho. Nos cerca de 80 hectares de vinha que possui (a maior parte concentrada no concelho de Anadia), confirma a quebra de 20% ainda que ligeiramente superior nos brancos, comparativamente aos tintos.
A chuva, diz, foi responsável por trazer mais doenças e pela consequente quebra na produção. Ainda assim, fala de um ano de excelente qualidade, já que as uvas foram retiradas da vinha sãs e com bom grau.
O médico Fernando Martins é o mentor da Quinta do Cavaleiro. Este produtor de Oliveira do Bairro acredita que, em termos qualitativos, o ano será bom, tanto para os tintos como para os brancos, no entanto, em matéria de quantidade o caso já muda de figura.
Com 8 hectares de vinha, admite que a quebra na produção é mais acentuada nos brancos, ronda os 30%: “foi um ano mau, até mesmo para a fruta. Tivemos chuva e frio até muito tarde”.
Ainda que nas castas tintas a influência do clima não tenha sido tão acentuada, já que a planta tem uma nascença e maturação mais tardia, diz que mantém “a expectativa elevada” e que este possa ser “um ano de boa qualidade: as uvas estão sãs, com boa graduação”.
Cantanhede
A Adega de Cantanhede recebe uvas de mil hectares de vinhas dos seus associados. Osvaldo Amado, enólogo da casa, arrisca falar de um ano de excelência a lembrar 2011 e 2015, ainda que com produção mais reduzida.
A vindima decorreu durante o mês de setembro e o enólogo reconhece que a produção será bastante inferior à transata. “Uma redução de cerca de 30% nos brancos e de 20% nos tintos”, tudo porque no período da floração e da nascença, as condições climáticas trocaram as voltas aos produtores, situação agravada por focos de míldio, oídio e podridão.
Quanto à qualidade, Osvaldo Amado fala num ano “muito bom com toques de excelência” para os brancos da Bairrada que, por tradição, tem todas as condições para produzir brancos de altíssima qualidade.
“As uvas saíram sãs das vinhas, com boa maturação e boa acidez”, diz, avançando que nos tintos será um ano que, embora registe uma quebra, será de “muito boa qualidade”, sendo que a quota dos vinhos de excelência poderá rondar os 40%, não obstante a quebra registada na produção.
O produtor João Póvoa criou também na zona de Cantanhede a marca Kompassus e, nos seus 10 hectares de vinha, a vindima foi iniciada a 29 de agosto, com a colheita de Baga para as bases de espumantes, terminando no início de outubro com a colheita de Baga e Touriga Nacional.
Ainda que admita ser cedo para antever a qualidade dos vinhos que estão em mosto, tudo indica que será um ano de boa qualidade pelo equilíbrio na acidez nos vinhos e pelo álcool provável dos mostos.
“As uvas que entraram na adega não tinham podridão, e excecionalmente isentas de tratamentos anti fúngicos. Foi definitivamente um ano de pouca intervenção em tratamentos fitossanitários e com produtos de baixa toxicidade como é o caso do cobre”.
Em termos quantitativos, diz não ter sido atingido por quebras de produção, à exceção de uma ligeira redução na casta Verdelho.
Para a Kompassus, este foi “um ano excecional com as vindimas a decorrerem sem chuva desde o início e até ao fim da campanha, inclusive na colheita das bases para espumante as temperaturas baixaram, o que foi ótimo.”
Águeda
Embora não possua vinhas próprias, as Caves Primavera vinificam uvas de 150 produtores da região.
A JB, o enólogo Antero Silvano diz que “acabou por ser um bom ano”, “melhor do que se esperava” e que se pode esperar “coisas muito boas”.
Quanto às uvas tintas, sublinha que a quebra é ligeira e que estas recuperaram dos meses de verão extremamente seco, chegando à adega em muito bom estado, com excelente qualidade, revelando ainda que 70% das uvas de casta Baga terão como destino a produção de espumante. Nos brancos, a safra já se ressentiu mais e a quebra ronda os 30%: “embora as uvas tenham chegado muito sãs”.