Juliana Couras é das raríssimas estudantes universitárias a ter feito dois mestrados integrados ao mesmo tempo. É, para já, a única médica (sim, um dos cursos foi Medicina!) a ser mestre em Engenharia Computacional. Foi difícil conciliar o grau de exigência dos dois cursos ao mesmo tempo? De certeza que sim! Ainda por cima em duas cidades diferentes: Medicina no Porto, Engenharia Computacional em Aveiro. As notas com que acabou as formações, 16 e 19, garantem que esta aveirense é mesmo um caso raro de excecionalidade.
Entrou em 2014 para o Mestrado Integrado em Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Em 2020 terminou-o com 16 valores não sem antes, em 2016, ter recebido o Prémio Incentivo da Universidade do Porto por ter sido uma das melhores alunas do 1.º ano do curso.
“Durante o 2.º ano de Medicina descobri o campo da Neurociência Teórica. Tentei ler alguns artigos e não percebi absolutamente nada, pois os meus conhecimentos de matemática estavam no nível do secundário. Então aí percebi que ia ter de aprender mais matemática, mais programação e mais física”, lembra Juliana Couras.
Na altura, não lhe passou pela cabeça tirar outro curso universitário que a pudesse ajudar a descodificar o mundo da Neurociência Teórica. Começou por procurar cursos online para aprender mais. A ideia de tirar outro curso foi nascendo à medida que se apercebeu do tempo crescente que gastava nestas explorações online.
Quando em 2016 a Universidade de Aveiro estreou o Mestrado Integrado em Engenharia Computacional, decidiu analisá-lo e comparou-o com o de Matemática. Não teve dúvidas: “A verdade é que Engenharia Computacional é a Engenharia da UA com mais unidades curriculares de matemática e eram as que mais me interessavam”.
Já estava no 2.º ano de Medicina quando concorreu e entrou no curso. Por ter uma média superior a 17,5 e ter escolhido a UA na primeira opção do Concurso de Acesso ao Ensino Superior, recebeu uma bolsa igual ao valor da propina. Aliás, a Juliana, por ter mantido a média ao longo do Mestrado Integrado acima dos 17,5, conquistou todos os anos na UA uma bolsa de mérito académico, ou seja, de valor igual ao valor da propina. Há um mês atrás terminou o curso com 19 valores.
Como é que se fazem dois cursos ao mesmo tempo?
Juliana deixa bem vincado de que não é possível planear com confiança a logística para frequentar dois cursos exigentes, um no Porto, outro em Aveiro. É difícil estimar as cargas horárias de diferences unidades curriculares (UCs)e não é possível prever completamente o calendário de exames, havendo sempre a possibilidade de ter exames marcados para o mesmo dia. Assim, Juliana foi pragmática e definiu metas progressivas: “No 1.º semestre que fiz em dois cursos defini como objetivo fazer, obviamente, todas as unidades curriculares de Medicina desse semestre e fazer mais 3 unidades curriculares de Engenharia. Acabei por fazer todas as UCs dos dois cursos. Então para o 2.º semestre comecei a pensar que se fizesse outra vez todas as UCs dos dois cursos ficava licenciada em Ciências Básicas da Saúde, pois concluía o 3.º ano de Medicina”, conta.
“E aí talvez fizesse uma pausa em Medicina para me dedicar só a Engenharia. Mas depois fiz o 2.º semestre todo outra vez com sucesso e pensei que mais valia continuar com os dois cursos a ver até aonde é que dava para ir. Mas a partir daqui comecei a ser um pouco mais ambiciosa nos objetivos”, revela. De objetivo em objetivo, cada vez mais exigente, acabou por estabelecer como meta terminar Medicina com média de 16 e Engenharia com média de 18. “Acabei por superar ligeiramente estes objetivos”, congratula-se.
Astros alinhados para o sucesso
Juliana Couras reconhece que esforço individual que fez não pode ser desentrelaçado da sua situação social e económica. “Eu sei que o meu esforço, no meu contexto social e económico, foi suficiente para ter sucesso. Mas a verdade é que não sei se, noutros contextos, seria possível sequer concretizar este feito de fazer os dois mestrados integrados em simultâneo”, refere Juliana. Assim, destaca algumas condições externas que lhe permitiram este feito: a existência de universidades públicas e de lá ter ganho prémios de mérito, as ótimas condições para estudar em casa, o apoio dos amigos e da família até os almoços que a avó lhe levava à estação de comboios, poupando-lhe tempo de comutação entre Aveiro e Porto.
“Foram as minhas condições socioeconómicas, o ensino superior público e as minhas relações familiares e de amizade que forneceram as bases para suportar o esforço pessoal de fazer dois cursos. Sem essas bases, não havia esforço que valesse. E, por isso, estou muito grata à família, aos amigos e ao sistema de ensino público”, reconhece.
Em relação ao futuro, a curto prazo não planeia tirar nenhuma especialidade médica. O plano da Juliana é seguir para doutoramento na área da Neurociência, possivelmente algo relacionado com Engenharia Neuromórfica. Obviamente, “pelo alto conhecimento matemático e técnico que esta área implica, não me seria possível seguir esta via apenas com o curso de Medicina”, refere.
Um dia, “gostava de seguir um projeto desde a ideia até à sua aplicação clínica. Isto é, gostava de estar envolvida na conceptualização de um modelo neuronal, simular o modelo, implementar o modelo num dispositivo neuromórfico implantável no cérebro e, no fim, usar esse dispositivo em ensaios clínicos. Seria a maneira perfeita de combinar engenharia com medicina”, desvenda. “Começar com uma ideia apenas, um modelo matemático, e ver como ele se traduz num sistema físico e depois usá-lo, como médica, para tratar patologias neurológicas. Mas isto é um projeto de vida, algo que se tenta construir durante anos”.
Fonte: Universidade de Aveiro