Só as microalgas da Ria de Aveiro capturam anualmente da atmosfera cerca de 12400 toneladas de carbono, o equivalente ao carbono emitido por 10.000 pessoas. Esta é uma das conclusões de um estudo do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro (UA) que deixa em aberto a certeza: os restantes organismos fotossintéticos da Ria de Aveiro juntos conseguirão retirar da atmosfera milhares de toneladas de carbono por ano. Por isso os investigadores alertam para necessidade de se preservarem os estuários onde vivem estes organismos.
Publicado na revista Frontiers in Marine Science, o estudo refere-se à contribuição das duas principais comunidades de “produtores primários” da Ria de Aveiro e outros estuários com marés: as microalgas que vivem na água (”fitoplâncton”) e as que vivem na superfície dos sedimentos da zona de entre-marés (”microfitobentos”). Este estudo é o resultado de campanhas de campo, implementadas no âmbito do Projeto BioChangeR, e que resultou da colaboração de investigadores dos Departamentos de Biologia e Física da Universidade de Aveiro e do Instituto Superior Técnico.
“Os produtores primários são os organismos, como algumas bactérias, as algas e as plantas terrestres, que são capazes de realizar a fotossíntese”, explica o biólogo João Serôdio que, a par de Silja Frankenbach, João Ezequiel, Sandra Plecha, Leandro Vaz, João Miguel Dias e Nuno Vaz, assina o trabalho. O estudo quantificou o carbono fixado pela atividade fotossintética destas duas comunidades, “mas há outras que também contribuem para o balanço global do ecossistema, como macroalgas, ervas marinhas e plantas de sapal”.
“O total de carbono removido naturalmente na Ria de Aveiro será assim certamente superior ao estimado neste estudo”, afirma João Serôdio.
A captura de carbono destes organismos, explica o biólogo, “está associada ao processo fotossintético, o processo bioquímico mais importante para a vida na Terra, do qual depende a esmagadora maioria dos seres vivos, incluindo os humanos, através do qual se usa carbono da atmosfera (ou dissolvido na água) para ‘fabricar’ nova matéria orgânica e assim suportar todo o ecossistema”.
Os resultados alcançados pelo grupo de investigação de Aveiro estão em linha com os encontrados para outros ecossistemas estuarinos. Nesse sentido, explica João Serôdio, a Ria de Aveiro não difere muito de outras zonas como o Estuário do Tejo ou a Ria Formosa. “O que este estudo teve de novo foi a monitorização em paralelo, em vários locais da Ria de Aveiro e com uma grande resolução temporal, da atividade fotossintética destas duas comunidades”. Isto permitiu aos biólogos “descobrir que as zonas de sedimentos entre-marés, muitas vezes ignoradas ou consideradas pouco interessantes, são neste ecossistema as mais importantes em termos de fixação de carbono”.
“Apesar das elevadas taxas de fixação de carbono que ocorrem naturalmente na Ria de Aveiro, estimada no nosso estudo em 12400 toneladas de carbono por ano, cada um de nós emite, em média, e considerando apenas a queima de combustíveis fósseis, 1,3 toneladas de carbono por ano”, aponta o biólogo que deixa o aviso: “O carbono removido pela totalidade dos produtores primários da água e sedimentos da Ria de Aveiro inteira mal chegará para compensar o carbono emitido por 10.000 aveirenses”.