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Desporto // Voleibol  

Voleibol: Hélder Lourenço, um “filho” do Frei Gil a marcar pontos em França

Hélder Lourenço é scouter na equipa sénior feminina de voleibol do Volero Le Cannet. Está em Portugal desde o início de maio e é frequente encontrá-lo nos treinos do Frei Gil Voleibol Clube (no pavilhão da EB2/3 Frei Gil, em Bustos), onde faz questão de transmitir os seus conhecimentos, numa casa que lhe diz tanto.

Frei Gil continua a ser uma referência para Hélder Lourenço. O jovem de 26 anos que, há cerca de um ano, rumou a França para ser scouter (estatístico; analista de dados e de desempenho) de uma equipa profissional de voleibol, não esquece as origens nem tampouco os valores que levou para a vida, pessoal e profissional.

Hélder Lourenço está em Portugal desde o início de maio e é frequente encontrá-lo nos treinos do Frei Gil Voleibol Clube (no pavilhão da EB2/3 Frei Gil, em Bustos), onde faz questão de transmitir os seus conhecimentos, fruto de uma carreira que, apesar de curta, já deu bons frutos.

O bichinho do voleibol foi “herança” da tia, que estudava e jogava no Frei Gil, treinada pela professora Susana Martins. “Eu fui a cobaia, ela treinava comigo o passe, ensinava-me a manchete, e aí o ‘bichinho’”, levando-o a escolher a modalidade, assim que ingressou no Colégio, no 5.º ano.

Começou por jogar nos minis, depois voleibol de seis, iniciados… “Até que o clube deixou de ter equipa para mim, não havia atletas suficientes”, recorda Hélder Lourenço, que ainda experimentou jogar no AA Espinho, mas rapidamente percebeu que jogar não era bem “a sua praia”. “Não estava disponível para fazer aquele esforço, o sacrifício de fazer tanta viagem para ir jogar voleibol. Para além de ter consciência de que não tinha as qualidades, a capacidade técnica suficiente para ser um jogador.”

Foi com o professor Carlos Tribuna que começou uma nova etapa. “Perguntou-me se queria ajudá-lo a treinar os miúdos. Aceitei e tornou-se o objetivo da minha vida.”

Tinha 15/16 anos. “Nesse ano [2014/15], fomos campões, com essa equipa de infantis masculinos. No ano seguinte, vice-campeões nacionais; depois, ficámos em 3.º lugar e, em 2017/18, já com o treinador Danilo Amante, continuei a ser treinador adjunto, que é o papel que gosto mais. E foi também aí que comecei a ter contacto com a estatística. Isto porque, no início do ano, tinha adquirido um software de estatística básico.”

A estatística, no voleibol, “dá-te dados claros e não usas o ‘achómetro’. Permite-te saber quantos serviços se falharam; qual foi a atleta que marcou mais pontos; se determinada atleta recebe bem ou mal; como é que serve; como é que ataca… e isso é importante para depois se definir a estratégia de jogo. Na formação, isto torna-se mais preponderante na fase final. A outro nível, serve de guia, orienta a nossa forma de trabalhar, porque analisamos, não só a nossa equipa, como também as equipas adversárias”, explica a JB.

Foi a expensas próprias, com um software que comprou, que começou a aprender. “Somos campões de juvenis [2018] já com essas primeiras bases de análise e eu vou tirar o curso de nível 2 de treinador, onde tenho contacto com software profissional usado em todas as Ligas do mundo. E é aí que tomo a decisão: ‘Eu quero trabalhar nisto.’”

Mais uma vez com capital próprio, “comprei a licença de software (700 euros), chateei scouters, aprendi e o passo seguinte foi meter em prática nas equipas aqui do clube [Frei Gil]”.

De Esmoriz a França

Já com Carlos Cipriano, trabalhou com a equipa feminina, em 2019/20 e, depois disso, rumou ao Esmoriz. “O treinador de Sub-21 masculinos queria montar um projeto para ser campeão nacional e convida-me para ser treinador adjunto e scouter. Fomos campões nacionais nesse ano (2021/22) e, no ano seguinte, sou convidado para me manter nos Sub-21, como braço direito do treinador Nuno Santiago, e scouter. E, ao mesmo tempo, para pertencer à equipa técnica dos seniores. Mais uma vez, com esta vertente de estatística.” Neste processo todo, começou a trabalhar numa fábrica. “Acabei o 12.º ano e sabia apenas uma coisa: eu só queria voleibol. E um dia, a minha mãe obrigou-me a tomar a decisão: ou vais estudar, ou vais trabalhar. E eu fui trabalhar para Vagos, para a Siemens Gamesa (pás eólicas). Mas nunca deixando o voleibol.”

No ano seguinte, o Esmoriz é bicampeão nacional Sub-21 (2021/22) “e fazemos história com os seniores, que conquistam o 4.º lugar na Liga, o que já não acontecia – ficar nos quatro primeiros – há 16 anos”.

Entretanto, o treinador dos sub-21 troca de clube “e fechou-se um ciclo, também para mim”.

Hélder Lourenço é convidado para integrar a equipa técnica das seniores femininas, manter-se nos seniores masculinos e ainda ser o treinador do mini-volei. “E foi aqui o ponto de viragem, apostei tudo no voleibol e a minha vida mudou definitivamente.”

Nessa época (2022/23), as seniores (femininas) investiram para subir à primeira divisão. “Conseguimos o objetivo, sem derrotas. Mantendo sempre o trabalho de estatística, análise, estudar os adversários, estudar a nossa equipa, preparar vídeos. No mesmo ano, com os seniores (masculinos), fizemos 5.º lugar na Liga e vamos à final da Taça Federação, onde perdemos com o Sporting, por 3-2, na negra, nas vantagens.”

Com as minis, “gostei muito de trabalhar com a base, foi bastante interessante. Não tem tanto a vertente de ganhar, de resultados, mas mais a vertente de evolução, trabalhá-las tecnicamente e gostei bastante”.

Surgem, entretanto, oportunidades para ir para outros clubes. Só que nada que compensasse financeiramente para fazer só vida do voleibol. “Pensei, vou voltar ao meu posto de trabalho e ao Frei Gil.”

Até que desponta França no horizonte e começa, para Hélder Lourenço, uma nova aventura.

Hélder fez o primeiro ano no Volero Le Cannet, com a equipa sénior feminina. “Fui de mente aberta e preparado para tudo. Não era muito bom a inglês, que é a língua em que falamos, porque temos jogadoras de várias nacionalidades – russas, sérvias, búlgaras, uma coreana, uma alemã… – para além de uma equipa técnica sérvia e dinamarquesa, presidente do clube russo… Mas como dizia, falava pouco inglês, não me sentia confortável, mas o treinador principal foi mil estrelas para mim.”

Hélder fez um contrato de um ano e recentemente prolongou o seu vínculo com o clube.

Na época que terminou, Hélder trabalhou como scouter com a equipa sénior feminina. “Estávamos em quatro competições: Supertaça, que ganhámos; Campeonato francês – fomos eliminados pelo Nantes na meia final; Taça francesa, chegámos aos quartos de final, e fomos, mais uma vez, eliminados pelo Nantes; e Liga dos Campeões – aqui, no último jogo com uma equipa da Polónia, perdemos na negra por dois pontos, e fomos reencaminhados para o CEV Cup [segunda divisão das competições europeias], onde perdemos com uma equipa italiana, também na negra, nas vantagens.”

Hélder Lourenço confessa estar “muito feliz no vólei”. Admite que é intensivo – são quase 24 horas por dia a pensar naquilo, durante oito ou nove meses – mas altamente gratificante. “Acordamos às sete da manhã, para estar nos escritórios às 8h30, para começar a trabalhar com a equipa às 10h no pavilhão, até ao meio-dia; depois do almoço, regressamos aos escritórios, preparamos o que há para preparar, voltamos às 17h ao pavilhão, treino até às 19h; vamos para casa, jantamos, dormimos e no dia seguinte, começa tudo de novo.”

Mas esta é realmente a sua paixão. “Mesmo quando tenho tempo livre – que é pouco! – para não pensar no voleibol… eu penso na mesma.”

Até ao início de agosto, é tempo de descansar. E aproveitar para rever família e amigos. “Gosto sempre de regressar aqui, ao clube, onde me viram crescer, onde me deram tudo. E poder partilhar um pouco dos conhecimentos que tenho vindo a adquirir nestas minhas experiências com os treinadores e com os atletas da casa. Faço questão, porque devo muito a este clube. O Frei Gil é a minha casa. Chego e sinto-me bem, todos me recebem bem e têm carinho por mim, como eu tenho por eles.”

Hélder Lourenço equaciona continuar a fazer este trabalho – análise, recolha de dados – mais uns três anos. Depois, “gostava de dar o passo seguinte, para treinador adjunto; e depois, tenho sim a ambição de dar mais um passo, para treinador principal. Apesar de… não ser uma vida fácil. Não basta perceber a parte técnica e tática, é preciso também perceber a parte interpessoal, psicologia e não só.”

“O Colégio era uma família”

Quanto ao clube por quem sente o maior respeito e carinho, o Frei Gil, considera que, no que se refere a equipas masculinas, “será difícil de retomar e haver algo de sustentável”. 

Na sua opinião, o Frei Gil “precisa de um trabalho mais forte na base, no mini volei. O clube está consciente disso e a trabalhar nesse sentido. Porque de resto o clube tem tudo, tem condições, algumas pessoas qualificadas, a parte humana, que é incrível aqui… O saber estar, o ser amigo, o saber ser equipa… tudo valores que foram adquiridos no tempo do Colégio [IPSB]. E ficou esta semente, este clube de vólei, que já é uma árvore.” Clube que o reconheceu na gala de entrega de prémios, no dia 29 de junho, com o galardão Freguesias OLB e BTM.

Foi no Colégio que Hélder estudou até ao 11.º ano. “Infelizmente, depois fechou, tive de ir estudar para Águeda e a diferença foi abismal. A relação professor-aluno, funcionário-aluno, sempre preocupados connosco… Sentia, e ainda sinto, que o Colégio era uma família. O Professor Carlos Tribuna é uma referência, foi um segundo pai para mim.” E foi com ele, afinal, que toda esta aventura começou. “Quando tenho oportunidades, propostas, ou surge algum problema, é a ele que eu ligo para pedir uma opinião ou um conselho.”

Em França, os trabalhos para a próxima temporada recomeçam no dia 5 de agosto e os objetivos no Volero Le Cannet já estão traçados: “ganhar tudo, em todas as competições em que estivermos, à exceção das competições europeias”.

A sua ambição pessoal “é pensar sempre a curto prazo, a época atual, penso muito ano a ano. Agora, se tenho sonhos… claro que sim. O meu sonho é ganhar a competição máxima, a Champions League.”