Pedir e aceitar três empréstimos pessoais a um empresário, no valor global de 12.500 euros, em condições “mais favoráveis de que as que conseguiria junto da banca”, e à taxa de juro de 1,5% “inferior à legalmente prevista para os contratos de mútuo” constitui, ao abrigo do Código Penal, crime de corrupção passiva. Punível com prisão de um a oito anos.
Esta é uma das penas, a que está sujeito Manuel Bogalho, actual presidente da Junta de Freguesia da Gafanha da Boa-Hora, se ficar provada a acusação deduzida pelo Ministério Público, no chamado “processo das areias”.
O referido autarca, enquanto presidente da Associação Boa-Hora, e ainda Manuel Miranda, empresário ligado à extracção e venda de areia residente em Travanca, são os únicos arguidos daquele processo, que vai a julgamento no dia 18 de Novembro.
Recorde-se que a obra do Centro Comunitário da Boa-Hora foi inscrita em PIDDAC em 1999. Mas quando Manuela Ferreira Leite tomou posse, em 2003, foram suspensos todos os pagamentos, através do célebre “orçamento rectificativo”, quando a dívida da obra rondava 300 mil euros.
A solução foi mesmo o recurso à banca – um empréstimo de 250 mil euros, para pagar facturas. Mais tarde, já em 2005, o então ministro Fernando Negrão fez chegar à Gafanha da Boa Hora 90 mil euros, ficando a dívida em 120 mil euros.
E é aqui que entra a história das areias, depois de, em Março de 2002, o presidente daquela IPSS ter celebrado contrato de prestação de serviços, com o empresário Manuel Miranda. Em causa estava a remoção dos terrenos para a construção da 2.ª fase do Centro, preparação do terreno para implantação do parque infantil, horta comunitária e alinhamento e aterro da estrada de acesso.
REN e Rede Natura. De acordo com a averiguação, a cargo do Departamento de Investigação e Acção Penal de Coimbra, o referido empresário haveria de dedicar-se, na realidade, a extrair, para venda, “areia em todo o lote 103, e mesmo fora dos seus limites, incluindo na área de REN e de Rede Natura 2000”. E até atingiu o nível freático.
É ponto assente que a referida actividade se processou “muito para além da data da conclusão das obras de construção do Centro Comunitário”. Com “total conhecimento” do arguido Manuel Bogalho, que até sabia que o empresário de Travanca não possuía licença para exercer aquela actividade.
Mas Manuel Miranda, refere a acusação, sempre terá argumentado que se limitava a fazer trabalhos de terraplanagens, por conta da Associação Boa-Hora, e apenas vendia as “areias sobrantes”. E acrescentava que “desconhecia que houvesse ilicitude na sua conduta”, como disse nos processos de contra-ordenação, movidos pela DRAOT, IGAE, ASAE e CCDRC.
A verdade é que, entre 2002 e 2007 o arguido Manuel Miranda extraiu areia fina “em todo o lote e ainda para além dele”. Uma quantidade nunca inferior a 351.592 metros cúbicos, revela a acusação, adiantando que aquele empresário conseguiu proventos superiores a 2.197.450 euros. Deste valor, Manuel Miranda entregou à Associação uma “pequena parte, em parcelas não concretamente determinadas”. Um montante global “nunca inferior a 60.289 euros nem superior a 240 mil”.
Manuel Bogalho incorreu na prática, em autoria material, de um crime de participação económica em negócio, e ainda um crime de corrupção passiva. Quanto a Manuel Miranda é acusado, apenas, de um crime de corrupção.
Eduardo Jaques
Colaborador