por D. António Marcelino
Veio-me cair às mãos um velho provérbio hindu que diz assim: “ Um livro aberto é um cérebro que fala; fechado, é um amigo que espera; esquecido, uma alma que perdoa; destruído, um coração que chora”.
O mundo não está perdido de todo enquanto se dão prémios famosos, tanto aos cientistas, inventores e investigadores, obreiros da paz, como aos escritores. Esperamos que a contestação que se gera, por vezes, à volta da escolha dos galardoados, não venha a atingir os campos seleccionados, mormente dos escritores, dada a pouca atenção que as novas gerações, em geral, e não só, vêm dando à leitura.
Se formos a avaliar o muito que se publica, ficaremos pensando que se lê muito, que se lê de tudo, que as pessoas estão ficando cada dia mais ilustradas e cultas. Porém, não parece ser essa a verdade.
Muitos jovens portugueses, que esgotaram os anos de escolaridade e até passaram pelas universidades, têm uma cultura geral muito pobre, exprimem-se com grande dificuldade, escrevem com erros, vivem fechados em campos limitados e só têm horizontes on-line. Seria interessante fazer-se uma avaliação do interesse pela leitura, dos resultados das bibliotecas itinerantes e das que abrem, por esse país fora, sobretudo nas autarquias, e ver também quem aparece numa biblioteca a pedir livros, para ler além dos interesses momentâneos de trabalhos a preparar, mas por vontade de se cultivar e instruir.
É verdade que muita gente nova tem à mão a Internet e não precisa de se deslocar. Porém, a leitura em lugar público é, também, uma ocasião para conviver, partilhar, aprender, ensinar. O livro que se comenta com outra pessoa que também já o leu, proporciona uma ocasião mais enriquecedora, pois um leitor pode ter visto e fixado o que ao outro escapou e seria do seu interesse. Assim se dá sentido e verdade à expressão popular de que “livros são amigos”.
O esforço da escolarização não parece ser acompanhado do esforço por dar a quem anda na escola, o gosto e alegria do saber e do querer saber mais. Não falta gente com diploma que se queixa de não ter tempo para ler coisas novas e nem mesmo para ler e estudar o que diz respeito à sua vida profissional.
A vida tem prioridades. Deus nos livre das pessoas de uma só ideia, e essa muitas vezes já estratificada, e da gente que, para ganhar mais dinheiro, descuida aperfeiçoar-se e actualizar-se.
A sociedade torna-se superficial e banal quando o interesse da maioria se fica pela leitura de revistas cor-de-rosa e pelos enredos da telenovela. Quem se lembra de pôr em salas de espera de consultório, onde se esperam horas, pequenos livros e revistas que vão além da fofoquice à qual não faltam interessados especialistas?
Um outro aspecto curioso é ver o grau de cultura e de saber, tendo em conta as respostas ouvidas em concursos de televisão e de rádio, nos quais até a ignorância se premeia. Há dias ouvi um jovem dizer num destes concursos que o primeiro Presidente da República a seguir ao 25 de Abril foi Salazar… A pergunta já envolvia três hipóteses de resposta. Nem assim. Se bem o recordamos, uma das primeiras preocupações de alguns heróis de Abril foi fazer fogueiras com os livros das bibliotecas escolares e não só destas.
Não faltam iniciativas de fóruns de leitura comentada e de filmes vistos em comum. Mas é preciso que haja mais e sejam acessíveis às pessoas menos instruídas. Há sempre gente que espera a sua hora, a hora dos seus direitos reconhecidos, a hora de ir mais longe, sem que tenha de ir ao colo.