Que avaliação faz do ordenamento florestal na região da Bairrada? O que falta para termos uma floresta ordenada?
Luís Sarabando, diretor técnico da Associação Florestal do Baixo Vouga: O contexto da floresta na região da Bairrada é o mesmo de toda a região Norte e Centro: grande nível de abandono em virtude da desmotivação dos proprietários por falta de rendimento.
O proprietário florestal possui apenas duas lógicas para o investimento: Rentabilidade ou Financiamento Público.
Na ausência de financiamento público adequado à pequena propriedade e com a rentabilidade comprometida pela pequena dimensão e dispersão das propriedades florestais (70% dos prédios florestais possuem área inferior a 1ha), temos assistido progressivamente a um cada vez maior desinteresse e abandono da floresta.
Entendemos que a Bairrada possui algumas características que poderiam contribuir para uma diferenciação positiva relativamente a outras regiões, nomeadamente, o facto de as manchas florestais estarem ‘compartimentadas’ entre manchas agrícola e urbanas, criando um mosaico muito interessante para a redução dos principais riscos da atividade florestal: os incêndios e as pragas e doenças.
Mas efetivamente, o ‘individualismo’ vincado na nossa cultura tem dificultado a colocação no terreno de medidas efetivas para a melhoria da floresta.
No atual contexto socioeconómico – abandono rural, envelhecimento da população rural, falta de mão-de-obra, elevados custos de serviços – entendemos ser fundamental evoluir para modelos agregados de gestão que permitam o aumento da dimensão das parcelas de trabalho e, com esta medida, permitir mecanizar as operações, baixar os custos associados e obter ganhos por escala das vendas ou até novas soluções de valorização.
Logicamente que estes ganhos de gestão se aplicam principalmente às florestas de vocação produtiva, ocupadas na região pelas espécies pinheiro e eucalipto. Mas, mesmo as florestas com funções de proteção ou conservação necessitam de ganhar escala para poderem ter acesso a financiamentos públicos ou a mercados emergentes como os “Serviços de Ecossistema” ou “Sequestro de Carbono”.
Em resumo, é fundamental que os proprietários se organizem em várias dimensões: para gerir os seus terrenos, criando, com os vizinhos, unidades de gestão mínimas com 10ha que permitam a eficiência das operações, a rentabilidade e a defesa contra incêndios, pragas e doenças. O modelo parece difícil, mas a AFBV já possui 3 exemplos de ‘Áreas Florestais Agrupadas’ no terreno, nos concelhos de Águeda, Albergaria-a-Velha e Vagos (ver caixa, na página 7); para defender os seus interesses junto da Tutela do setor, reclamando medidas de política florestal justas e ajustadas aos contextos regionais, mas igualmente junto das autarquias, ator cada vez mais importante na criação de condições para funcionamento da atividade florestal; para maior valorização dos produtos da floresta nos mercados existentes, mas igualmente de forma a conseguir o acesso aos “Serviços de Ecossistema” ou “Sequestro de Carbono”.
“Para ter uma floresta ordenada será necessário que o proprietário retire rendimento da sua gestão de forma a estar disponível e reinvestir parte desses rendimentos na melhoria da floresta existente e disponível para ter algumas florestas de cariz produtivo e outras de cariz de proteção e conservação. Para isso, o proprietário das regiões de minifúndio tem que compreender a necessidade de trabalhar em conjunto com os outros proprietários na construção de organizações fortes que os representem junto dos mercados e das políticas públicas.”
Têm muitos produtores dos concelhos da Bairrada associados?
LS – A AFBV possui, hoje, uma representatividade média de cerca de 25% da superfície florestal em toda a região de Aveiro, o que significa que 1 em cada 4 ha pertence a um nosso associado.
Esta representatividade significa uma grande responsabilidade para nós e por isso, tentamos desde há já alguns anos, testar modelos de gestão que rompam com o passado, originando algo diferente. Temos que conseguir concretizar a confiança e representatividade ganhas em 22 anos de trabalho, em formas de gestão diferentes, que sirvam os interesses de todos – proprietários e sociedade civil.
Com que ajudas podem contar da vossa parte?
LS – A AFBV possui um conjunto de serviços que vão desde o mero aconselhamento técnico à execução no terreno de todas as operações florestais, desde a arborização, aos trabalhos de manutenção florestal e até à exploração de madeiras.
Possui igualmente o reconhecimento das entidades do setor que lhe permite levar a voz dos proprietários para os fóruns de discussão técnica e política.
A nossa participação na federação FORESTIS é muito relevante neste serviço de representação dos pequenos proprietários florestais da região.
É possível conciliar a questão económico-financeira do setor com a questão ambiental?
LS – Estamos convictos que as questões económico-financeiras do setor são, não só, conciliáveis com as questões ambientais, mas também perfeitamente dependentes uma da outra.
O conceito sustentabilidade inclui o equilíbrio entre três pilares fundamentais: economia, sociedade e ambiente. Neste pressuposto, nenhum dos pilares tem condições de existir por si só.
Não temos dúvidas de ser possível conciliar as questões económico-financeiras com as ambientais. Temos apenas de tentar olhar o contexto a uma escala superior demonstrativa do conjunto das valências e não para cada m2 de terreno.
Acreditamos que a especialização dos territórios é o segredo, em que umas regiões podem ser mais vocacionadas para a economia e outras para as questões ambientais. Sem nunca duvidar que se complementam e integram o mesmo sistema – a floresta portuguesa.
Não queremos com isto dizer que não existiram no passado muitos erros na construção da floresta atual. Confirmamos que existiram, mas confirmamos, também, que o conhecimento atual sobre silvicultura sustentável permitirá termos florestais de função produtiva com impactos ambientais muito reduzidos.
É fundamental que as florestas produtivas adotem as denominadas ‘Boas práticas florestais’ e, mais uma vez, é fundamental efetuar a transferência de conhecimento para o terreno, só possível via as Organizações de proprietários.
Como veem os proprietários a questão da limpeza das áreas florestais quando sabemos que muitos destes são pessoas idosas, sem recursos e meios?
LS – É importante aqui separar dois tipos de limpezas: as limpezas em redor de edificações para dar resposta a questões de proteção civil; e as limpezas efetuadas na manutenção normal das matas para reduzir concorrências da vegetação arbustiva com as árvores.
Sobre o primeiro caso, os proprietários não podem aceitar de ânimo leve a sua obrigação anual de executar e custear este serviço público à sociedade. Entendemos tratar-se de um ónus demasiado pesado para a propriedade que não possui nem gera valor para custear esta responsabilidade. Adicionalmente, entendemos que as faixas de gestão de combustíveis constituem uma infraestrutura pública para proteção de pessoas e bens e, como tal, deveriam ser responsabilidade do próprio Estado ou, no limite, ter um apoio público para a sua execução anual. Como demonstrado pela baixa execução das faixas nos últimos anos – devido ao elevado custo ou ausência de mão de obra – o conceito e legislação associada deverão obrigatoriamente ser revistos reduzindo este peso para o país.
Futuro passa pelas Áreas Florestais Agrupadas
Como está a decorrer o projeto das áreas florestais agrupadas que a AFBV criou?
LS – Nas Áreas Florestais Agrupadas (AFA) cada proprietário possui uma quota (%) em função da área da sua propriedade na área total do projeto. Esta quota significa a sua participação nos investimentos necessários e igualmente na distribuição de rendimentos.
Como já referido, a AFBV possui três projetos de AFA implementados no terreno e que se revelam perfeitamente eficazes para garantir: o cumprimento da legislação florestal e das boas práticas na execução dos projetos de rearborização, equilibrando no mesmo espaço florestas de função produtiva com florestas de proteção ou conservação; a realização dos trabalhos de manutenção independentemente do tipo de proprietário, presente ou ausente geograficamente, com ou sem condições físicas e/ou económicas, etc.; a eficiência de custos na realização dos trabalhos florestais e a motivação dos proprietários para a continuidade dos projetos.
Temos também vários casos de insucesso, onde basta uma pessoa para derrubar os objetivos de uma dezena de proprietários, mas sabemos todos que mudar hábitos e cultura demora pelo menos uma geração.
Com a experiência adquirida, estamos convictos que a futura gestão da floresta terá que passar por modelos deste género.
Por este motivo, gostaríamos de ter o apoio e reconhecimento dos serviços oficiais para garantir as ferramentas necessárias a esta linha de trabalho como por exemplo: apoio para a dinamização deste tipo de agrupamentos; apoio jurídico para a regularização da titularidade dos prédios envolvidos e para registo do projeto no título de propriedade; apoio financeiro ao investimento ou qualquer benefício fiscal; etc.
Iremos continuar a trabalhar nestes processos, acreditando que os proprietários e as suas organizações conseguirão saber encontrar as respostas para a construção de uma floresta cada vez mais equilibrada, valorizada e protegida.