Desde há muito, tenho ouvido dizer que a memória é curta. Um ditado que se vai repetindo e quase não lhe damos a importância devida.
Contudo, atendendo bem, teremos de repensar a nossa atitude pessoal para entendermos mais correctamente a filosofia do povo que acarreta consigo montanhas de razão. Esquecer algo ou alguém é uma atitude crassa de ingratidão por tudo quanto nos ofereceram ou ensinaram.
Olhando à nossa volta, havemos de discernir os actos e as dependências mútuas, próprias dos humanos. Até os animais mostram, tantas vezes, o seu reconhecimento por determinados gestos que lhes são dirigidos. Não sei se têm ou não capacidade de entendimento, nem isso me preocupa até porque não tenho intenções de competir com nenhum. Os cientistas ocupar-se-ão da análise adequada e nós, depois, lendo, pensamos e comparamos.
Mas, voltando ao conceito da memória, desejaria sinceramente que todos fôssemos capazes de não viver na indiferença e no egoísmo, de forma a que déssemos, o mais justamente possível, valor a quantos estiveram, de vários modos, em estreita ligação ao crescimento das pessoas que nos tornámos, aqueles que conhecemos ou com quem convivemos e todos os outros milhares, dos quais colhemos inúmeros frutos e que tanto bem nos fizeram, mas que desconhecemos.
Seria, de certeza, não digo fastidioso, mas inverosímil, trazer à nossa memória quantos influíram e continuam a marcar a vida de cada um. Os que escreveram, ensinaram, defenderam, atacaram, alimentaram, animaram nas horas mais amargas da vida, vestiram, calçaram, transmitiram saber e fé, apontaram caminhos direitos ou tentaram corrigir os nossos erros pessoais diários.
Tantos foram também os que nunca se cansaram de estar a prumo connosco nas marés altas como ainda quando a nossa fragilidade precisou de um esteio seguro para a verdade e honradez de seres humanos!
Ao fazermos aflorar todo um passado com as respectivas vicissitudes sociais e sociológicas diante dos mais novos – naturalmente inexperientes no pensar e pesar as mutações das gentes – põem-se eles a olhar de soslaio com uma desconfiança alienante sobre os factos reais. Daí que não experimentam a necessidade de quaisquer reflexões sobre o desenrolar da vida e, concomitantemente, isolam-se perante o dever de guardar memória do passado dos seus.
Reparamos então no desapego a coisas e, sobretudo, a pessoas que terão sido essenciais para a promoção da amizade, respeito, acatamento recíproco entre gente e que jamais deveriam ter sido obliteradas ou desprezadas, porque ainda são as bases autênticas em que as vidas de hoje assentam.
Dentro das próprias famílias, numa continuidade aparentada longa e valiosa, parece-me, há membros próximos que vão esquecendo os familiares quando apenas afastados, entre si, no espaço de uma primeira geração. Os laços sentimentais são muito rapidamente olvidados.
Não admira, pois, sentir-se a memória dos que partem desta vida, desprezada, para não dizer apagada, tão depressa. Aliás já isso se verifica no dia a dia dos vivos.
A saudade que não se vive afasta a lembrança, e a recordação, cobardemente posta de parte, causa frieza nos espíritos das pessoas, as quais necessitarão de tomar tónicos e fortificantes para a memória não se apresentar tão curta ou desterrada num breve lapso de tempo, mesmo sabendo que é imperioso caber-lhe, por inerente direito, uma vida longa.