Nestes nossos tempos actuais, parece que ninguém confia em ninguém.
As palavras de honra vão-se deixando cair no desuso e os apertos de mão perderam aquele valor de selo que tinham num determinado acordo, inquebrável entre indivíduos que, outrora, se comunicavam, olhos nos olhos, exibindo assim uma hombridade que não se rasgava como quaisquer papeis assinados nos tempos de agora.
Sempre, em todos os momentos, existiram desacertos, todavia, quando há lisura de consciência e sentido de mútua responsabilidade, as soluções não faltam.
A fidelidade à palavra dada era como que um dom concedido pelos grandes homens ao porem a sua cabeça a prémio por algum compromisso assumido.
Os indivíduos, cada vez mais, cedem lugar à essência e significado deste vocábulo, tornando-se mesmo individualistas, enquanto não alargam o olhar para além do seu umbigo. E até duvido que sejam fiéis a si mesmos, aos seus desejos, ideais ou projectos.
Quando não o são em relação à sua própria pessoa, estão perdidos no seu caminho, sem utilidade pessoal nem préstimo comunitário.
Admito – mal seria o contrário – que haja muitas famílias, Escolas, Instituições, Grupos, Organizações e outros variados espaços, onde a confiança recíproca dos seus membros continua como a tónica comum que convoca e reúne todos, visando a construção de uma sociedade mais equilibrada e harmónica. E aceito que isto não é uma utopia balofa e tola.
A palavra dada ao compromisso e sua execução podem ser consideradas o alicerce de comunidades em paz e afastadas das preocupações meramente mundanas. E nunca nos permitamos julgar que seja atitude do passado sem cabimento nos tempos que vivemos, dominados pela técnica impessoal, conducente a uma virtualidade alienada e alienante.
O diálogo franco parece um negócio fracassado, privado do peso que comprometa alguém, porquanto o que, ontem, era, hoje, deixou de existir. Inclusivamente, para vexame da comunidade, os mais novos riem-se se lhes falamos dos gestos de sinceridade, protótipos de compromissos entre pessoas. Riem-se disso e de nós. Passamos, perante esse seu modo frívolo de pensar e agir, como alguém que engendra histórias e lendas infundadas e incríveis para a sua forma de estar na vida, quando tudo têm e nada lhes falta, mesmo a troco do extremo sacrifício dos seus pais que nada lhes tiram e assim se vão (des)cultivando na ligeireza dos actos, sem se empenharem seriamente nos seus afazeres que deveriam mostrar-se já construtivos, mas continuam amorfos, para não dizermos irresponsáveis.
A título de curiosidade trago à memória e deixo descrito um episódio simples, verdadeiro e animador.
Entrei fortuitamente numa loja onde se vendiam as mais numerosas bugigangas – de chineses, claro. Vi, peguei e quis comprar umas botitas baratas. Cheguei-me, depois, até junto da mocinha que cobrava o preço, remexi os bolsos e nem carteira ou dinheiro encontrei. Desculpei-me do facto com a promessa – compromisso – de que, ao outro dia, lá voltaria a fazer a compra desejada.
Ao reparar na minha cara tisnada de vergonha, ela pôs-me a caixa com as ditas botas nas minhas mãos, enquanto me ia dizendo com muita naturalidade e segurança: – «Leva, eu confia».
Saí e, chegado a casa, calcei as botas. No dia seguinte, lá estava eu a pagar, observado por aqueles olhos que, “chinêsmente”, me sorriram com um brilho peculiar. Gerara-se nela uma alma nova. A sua certeza e confiança supostas não se goraram.
Estou eu eternamente reconhecido e grato pelos conselhos paternos abertos que me orientaram a atenção, rumo ao cumprimento insofismável dos compromissos assumidos ou remissão das dívidas contraídas. Isso terá de suceder, abrangendo todas as circunstâncias, boas ou menos agradáveis para nós, fundando um alicerce seguro de tranquilidade, bem-estar e desenvolvimento para a nossa forma de viver, como comunidade educada que somos.
Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico, por vontade expressa do autor