Extasio-me frente a uma fotografia minha que dura há, pelo menos, setenta e oito anitos. Foi feita “à la minuta”, aquando uma ida à praia, onde cheguei empoleirado no quadro da bicicleta que meu pai possuía e conduziu.
Mandado encavalitar-me num cavalo de pau, lá posei o melhor que pude e sabia. Um artista popular enfiou a cabeça num túnel de pano e zás! Passada meia hora, aí estava eu, sorridente, estampado no papel brilhante e a preto e branco que ainda dura hoje, pois conservo, religiosamente, o original.
É salutar parar, esquadrinhar gavetas e álbuns para nos embebecermos, com lágrimas de saudade, ao contemplar aqueles “cartões” que tantas memórias suscitam e levam a prostrar-nos sobre a terra agreste em profunda e sincera acção de graças pela simplicidade, verdade e alegria de tantos momentos semelhantes e já passados.
Transcorrendo o tempo, tornou-se frequente o uso peculiar de outras máquinas que se levavam por todos os lados, em festas e reuniões, onde se gravavam acontecimentos ou cenas de vida e paisagens que, assim, jamais haveriam de fugir da memória. E como se achava feliz e considerado rico aquele que fosse senhor e dono de um “Kodak”!
Quem mais ousaria exibir tal aparelho que fazia supor ou suscitava admiração e nome?!
A evolução das épocas, porém, é insofismável no facto de tornar mais simples e possível a comunicação dos humanos entre si. Começou então a oportunidade de organizar-se colecções e álbuns giros nos quais ficavam expostas tantas fotografias. Até a história se poderia fazer através das imagens estampadas nas fotos de família e de grupos, como também viriam a servir e testemunhar o evoluir do caminho de pessoas e povos, podendo mesmo serem enviadas para Revistas e Jornais. Quanta coisa boa se poderá atribuir às simples imagens em papel, enquanto formas de união estimulada entre pessoas, ligando continentes, vencendo marés e tempestades com um retrato apenas. E tudo servia para protagonizar um simples disparo de máquina. Desvaneciam-se saudades, olhava-se a história pessoal ou familiar, estreitavam-se pactos de amizade e respeito. Em suma: vivia-se a vida.
E, hoje? Ah, hoje, que sucede?
Os profissionais da matéria vão perdendo os seus postos de trabalho, as colectâneas aparecem como obsessões de épocas passadas, o intercâmbio de gestos de simpatia e cortesia vão sendo postos à margem de uma sociedade que se destrói a si mesma e cada vez mais porque se fecha no seu egoísmo e autossuficiência. As máquinas, por seu turno, são asiladas nos escaparates de antiguidades e recordações.
Os telemóveis modernos e quejandos tomam, agora, a dianteira e, neles, as fotos, aos milhares, vão entrando nos armazéns do esquecimento ou irão fazer o deleite apenas dos seus donos e sem grandes hipóteses de partilha.
Perdem-se o papel e a alma daquilo que deveria contribuir para refrescar memórias e alicerçar laços de todo o tipo.
Tal desaparecimento causa alguma mágoa, todavia, não esqueçamos, ao menos, isto: Deus fez de cada um de nós a Sua fotografia e ajuda-nos a conservá-la sempre actual, simples e risonha. Conservaremos essa graça, portanto, se, sem vaidade e em espírito altruísta, nos atrevermos a aceitar tão excelsa prenda.