Cultura: Conjunto das características morais, intelectuais, artísticas e dos costumes ou tradições de um determinado povo, nação, lugar ou de um período específico, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.
Desafio: consegue o leitor identificar o conjunto de características que definem a Cultura de Anadia? Duvido.
E porquê?
Por um lado, porque o património cultural de Anadia tem vindo a ser desbaratado, menosprezado, destruído e ignorado nos últimos 30 anos. Temo que nalguns casos o dano seja irremediável. Definitivamente, grande parte do património físico, edificado, foi destruído para sempre, restando apenas na memória de alguns e em fotografias antigas. É preciso saber a nossa história e as nossas estórias. Conhecer o território. Saber ligá-los. Contar aos mais novos e fazê-los viver esses momentos.
E por outro, porque se eu quiser levar as minhas filhas ao teatro, ensinar-lhes história ou levá-las a um museu, tenho de ir ao concelho de Oliveira do Bairro, Cantanhede ou Mealhada. Lamento, mas o “Anadia Splash” não acrescenta nada. Se é para entretenimento e diversão, mais vale levar as crianças à praia numa colónia de férias…
A alma colectiva de um povo nada é senão a sua Cultura. Sem uma cultura transversal, de onde pode vir o orgulho em se ser de Anadia? Só é possível criar raízes com uma cultura comum. Uma terra sem oferta cultural de qualidade não é atractiva.
Há muito a fazer e o lado positivo é que, com tanto que foi destruído e como tão pouco tem sido feito, não será difícil fazer melhor.
Se nada se pode fazer em relação ao património material destruído, é todavia ainda possível recuperar e preservar algum do património imaterial. Por exemplo, se não há gravações da voz da Júlia Fraga a cantar “O espumante de magia” com Os Rouxinóis, ainda há quem se lembre das músicas e da letra. Registe-se este e outro património musical – em áudio e papel. Ensine-se aos mais novos ao abrigo da autonomia das escolas.
Há um mês vi uma Grande Reportagem a propósito das 95 Bandas Filarmónicas dos Açores (que recomendo, está no site da SIC), mostrando que o papel destas estruturas vai muito para além da formação musical dos jovens. Promove o contacto pessoal físico real, o compromisso individual perante o grupo, a disciplina, a responsabilidade, desenvolve talento. E tudo isto fazendo boa música que entretém e emociona. Onde está a Banda de Anadia?
Podia continuar a dar exemplos de outras formas de arte (e de património, edificado e natural), seja do ponto de vista da oferta cultural à população, seja da oferta performativa.
Claro que algumas coisas aconteceram. O museu do vinho da Bairrada é uma óptima valência. Anadia tem uma boa biblioteca. Há património (privado) com história relativamente bem cuidado.
E também não ignoro a concorrência do entretenimento fácil das televisões, do streaming, do Youtube e das redes sociais. Porém, é um dever de todos, nomeadamente das autarquias, não se render e proporcionar opções e alternativas de qualidade.
Não acho que se deva acabar com as festas de cariz popular, pois têm um papel importante na sociedade. Mas também não posso aceitar que se apresente a Feira da Vinha e do Vinho como um evento cultural que vá perdurar na memória e na história. Pelo contrário – tal como as redes sociais – pode e deve ser um meio de promoção da Cultura de Anadia. Assim ela volte a existir.
[Caro Luís Montenegro, agora que está garantido o orçamento para os próximos 2 anos, chegou a altura de apresentar a visão futuro e implementar as reformas necessárias aos desenvolvimento do país]
Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico, por vontade expressa do autor