No dia 13 de dezembro, o município de Vagos assinalou o Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Visual com um debate sobre a integração profissional de pessoas cegas ou com baixa visão. Esta sessão, que decorreu no Museu do Brincar, contou com o testemunho de uma pessoa com deficiência visual que é telefonista na Universidade de Aveiro e a participação da Escola de Cães-Guia de Mortágua, da equipa técnica da CASDSC – Comissão de Apoio Social e Desenvolvimento de Santa Catarina –, de uma representante da delegação da ACAPO – Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal – no distrito de Coimbra, da Associação Alma Sã e de membros – humanos e caninos – da Equipa Cinotécnica da GNR.
Já depois de se terem posto à prova, esforçando-se por se orientarem sem recurso à visão, num trajeto entre o edifício da câmara municipal e o Museu do Brincar, cerca de uma dezena de pessoas aceitou o desafio de vendar os olhos e explorar aquele espaço museológico, tentando percorrer os circuitos propostos com o apoio de um guia não vendado e, a partir do toque, identificar os brinquedos expostos.
No decorrer desta “experiência de imersão sensorial, tátil e auditiva”, que tinha por objetivo proporcionar a “pessoas normovisuais” – sem qualquer limitação relacionada com a visão –, ainda que por breves instantes e num ambiente controlado, a aproximação possível à realidade de uma pessoa cega, os participantes confessaram ter experimentado “a vulnerabilidade de quem vive privado de visão” e sentido “a aflição de ter de depender de ajudas externas”.
“Foi uma experiência desafiante e angustiante”, reconheceu Susana Gravato, vereadora da câmara de Vagos responsável pelo pelouro da ação social. A autarca, que fez questão de ser uma das pessoas a participar neste exercício com os olhos vendados, reconheceu que “ainda há muito para fazer” no concelho no que respeita às acessibilidades para pessoas cegas e amblíopes, por exemplo, a “alteração de passeios antigos na vila” e a “melhoria da sinalização de algumas obras”.
Instituições integradoras
“A integração profissional de uma pessoa cega ou amblíope só acontece quando acreditam nela. Esse é o maior desafio”, introduziu Jorge Anjos – é cego, trabalha como telefonista na Universidade de Aveiro e é presidente da delegação da ACAPO no distrito de Aveiro. Jorge está consciente que, “num primeiro contacto, a tendência é olhar para a incapacidade em vez de se perceber a capacidade que a pessoa pode ter” e que isso, não raras vezes, faz com que “os deficientes visuais desanimem rapidamente”, acabando por preferir “viver de subsídios” ao invés de continuarem a expor-se a situações de discriminação. “Se as entidades não acreditarem no trabalho de uma pessoa com deficiência visual, fecham-se na sua concha e não nos dão oportunidades. Para podermos demonstrar o que valemos, têm de nos abrir as portas”.
Uma tese corroborada por Lurdes Martins, formadora na delegação da ACAPO no distrito de Coimbra: “a deficiência assusta mais quem não a tem”. “As pessoas cegas conseguem cuidar de uma casa, educar os filhos e ser profissionais de excelência, desempenhando as funções que lhe são confiadas com competência equiparável a pessoas normovisuais”, assegura a formadora de Braille que é mãe de uma jovem de 18 anos sem qualquer problema de visão. Habituada a participar – por via da ACAPO – em diversas ações de esclarecimento e sensibilização para com a realidade das pessoas com deficiência visual junto de escolas, empresas e autarquias, Lurdes Martins sublinhou a responsabilidade destas instituições na integração de pessoas cegas, dando-lhes oportunidade de exercerem um ofício.
O papel do cão-guia
Esta tertúlia no Museu do Brincar serviu também para os participantes compreenderem melhor a importância que um cão-guia pode ter na autonomia de uma pessoa com deficiência visual. “Os cães são treinados para poderem atuar em todo o país – a escola de Mortágua é a única instituição em Portugal a treinar cães-guia –, aprendendo a lidar com situações reais como contornar e evitar obstáculos e acatar ordens de orientação”, explica Marta Ferreira, educadora da Escola de Cães-Guia de Mortágua, que participou nesta sessão na companhia de Hazel, uma Labrador Retriever em formação. “Contrariamente às bengalas, que obrigam as pessoas a irem de encontro aos obstáculos para, depois, os poderem ultrapassar, o cão permite que as deslocações sejam mais rápidas e seguras. Além disso, há uma maior aproximação social da comunidade. As pessoas deixam de olhar para a deficiência e passam a focar-se no cão.”
Na Escola de Cães-Guia de Mortágua, cada animal é educado de maneira a otimizar todo o seu potencial, mas depois é preciso saber atribuí-lo à pessoa certa. “Temos de conhecer a pessoa que está à espera de um cão-guia, para podermos fazer o emparelhamento mais adequado”, aclara a educadora, descrevendo uma “relação de confiança, afeto e liderança” semelhante à que existe, no contexto da Equipa Cinotécnica da GNR, entre guarda e cão.
Também na CASDSC, IPSS de Santa Catarina que se dedica à intervenção junto de pessoas com deficiência e doença mental, dispondo para isso de um conjunto de serviços inovadores (entre os quais, terapias assistidas por animais, como a cinoterapia), o cão é tido como uma autêntica “ferramenta viva”. Alexandre Pires, handler na equipa técnica daquela instituição, retratou a forma como os animais são integrados em processos de tratamento, facilitando o desenvolvimento de atividades lúdicas e de aprendizagem. “Eles são agentes de motivação para os utentes, ajudando-os a atingir objetivos terapêuticos”, reitera.
Afonso Ré Lau