Assine já

Manuel M. Cardoso Leal

Historiador

A atual crise política

Na origem da atual crise política esteve a demissão do governo de António Costa, que gozava de maioria absoluta, mas foi empurrado pelo anúncio de suspeitas, até agora não esclarecidas. Da eleição que se seguiu resultou um parlamento tão fragmentado, com um governo tão minoritário, que a qualquer momento poderia cair; por isso, viveu sempre em cenário de eleições antecipadas, a contentar diversas classes de eleitores com as folgas orçamentais que encontrou. Até que arranjou motivo para colocar o país, outra vez, em campanha eleitoral.

Há quem goste da fragmentação partidária e ache que é muito democrática. E há também quem ache que isso pode colocar um país em situação ingovernável. Por isso, há sistemas eleitorais que expressamente procuram fugir à fragmentação, para tornar mais fácil a formação de governos com amplo apoio parlamentar. Na Alemanha, por exemplo, se um partido não chegar a 5% da votação nacional, nem sequer entra no parlamento, como se viu em recente eleição; por este critério, metade dos nossos partidos seriam atingidos. Na Inglaterra o sistema de círculos uninominais tem um efeito idêntico de evitar a fragmentação: só três ou quatro partidos chegam ao parlamento e o governo vai alternando entre dois partidos principais.

Em Portugal também tem havido uma tendência para a alternância entre dois partidos principais (PS e PSD), embora com mais dificuldade de terem maioria absoluta como na Inglaterra. Mas a situação atual, em que o governo é apoiado por tão fraca maioria, é inédita entre nós e pouco recomendável. E o pior é que, no atual parlamento fragmentado, entrou um grupo que deliberadamente ataca o próprio sistema democrático usando e abusando do tema da corrupção. Não é a corrupção que lhe interessa, pois tal grupo até tem telhados de vidro, como se viu no caso do ladrão das malas e em outros casos falados de pedofilia. O que lhe interessa é explorar a perceção de haver muita corrupção para enlamear o sistema democrático: «os políticos são todos iguais», «andam todos a gamar». A verdade é que, fora da democracia, a corrupção é muito maior; mas é abafada por falta de liberdade de imprensa ou por falta de um sistema judicial independente.

Em democracia o poder judicial deve ter independência (embora respeitando a independência dos poderes legislativo e executivo), para apurar com eficácia quem cometeu qualquer crime e distinguir quem é, e quem não é, corrupto. E os dirigentes políticos devem dar bom exemplo. António Costa agiu com honradez quando foi oficialmente visado por uma suspeita. E teria sido bom que Luís Montenegro, logo que chegou a primeiro-ministro, se tivesse desligado claramente da sua empresa, para evitar qualquer suspeita de ligação a interesses particulares.

Mas se a honra é condição básica num político e em especial num governante, o que dele se requer é muito mais do que isso. Basta pensar, para além dos problemas que o país já tem, nas ameaças que pairam sobre a Europa, em termos de segurança e de economia, para se perceber como é difícil e espinhosa a missão dos governantes.

Felizmente o nosso país, nos últimos anos, tem melhorado muito a sua situação orçamental. Assim como a economia portuguesa, nos últimos anos, tem crescido acima da média europeia. Isto deve-se em parte ao bom momento do turismo, que também, ao falhar no tempo da pandemia, já causara um fraco crescimento económico. Quer dizer que não se pode embandeirar, tudo pode esfumar-se depressa, toda a prudência é pouca. Durante a campanha eleitoral (que se escreve sempre em verso), talvez não se fale muito nos problemas. Mas depois, perante a realidade (que se escreve em prosa), não tardarão a aparecer novas e avultadas exigências, nomeadamente no domínio da defesa, que irão pôr à prova a nossa coesão como país e como Europa.