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João Pacheco Matos

joaopmatos@hotmail.com

A bem da protecção da democracia

Maria Antónia Almeida Santos. Isabel Moreira. Romualda Fernandes. Inês Sousa Real.

São estes os nomes das quatro mulheres que tiveram a coragem de dar a cara e revelar os insultos de que são alvo desde 2019 por deputados do Chega no Parlamento. Haverá mais.

Nas últimas semanas decorreu uma campanha eleitoral, foram apresentadas alterações ao funcionamento da Saúde, houve acordo entre os professores e o ministério, o maior partido da oposição tem divisões internas, o governo tem uma magra maioria no parlamento, as gémeas e o Presidente… E com tudo isto a acontecer, tenho dificuldade em encontrar na política portuguesa um assunto tão importante – e tão desvalorizado no panorama mediático – como os insultos machistas e racistas que deputados e deputadas do Chega dirigem a deputadas, dentro e fora do hemiciclo.

Insultos e agressões verbais existem no Parlamento desde sempre – recomendo a este propósito o divertido livro “Estes Políticos Devem Estar Loucos” de Catarina Madeira e Márcia Galrão, edição A Esfera dos Livros. A mais famosa, talvez a troca de galhardetes entre Francisco Sousa Tavares e Raúl Rego em 1980. Mas eram pessoas dignas, capazes de reconhecer os seus exageros em momentos de acalorada discussão e apertarem a mão num gesto reparador e de contrição.

No entanto, não é isso que vemos hoje.

“Peixe-balão, mugidos, roncos, vaca, grunhidos”. Gozar com a altura, com o peso, com a cor da pele. Estes são apenas alguns dos impropérios lançados da bancada parlamentar do Chega, dentro do hemiciclo, à vista de todos. Alguns até conseguimos perceber nas transmissões da TV.

Sabemos também que nos corredores da Assembleia da República, as ofensas também acontecem. Mas aí abrilhantadas pela cobardia de o fazerem quando as deputadas se encontram sozinhas.

O omnipresente Ventura logo aparece a bradar “Provas, apresentem provas! Difamação, vamos para tribunal! Somos uns coitadinhos, querem-nos calar”. Mas ele sabe que basta olhar para o interior do seu próprio partido: o inenarrável Pedro Frazão – que se apresenta como católico, imagine-se – já tinha dado o mote em 2021, quando colocou um cartaz na porta do gabinete da AR de uma deputada negra com a inscrição DESCOLONIZAR ESTE LUGAR. Tapou as letras LO com os dedos, tirou uma fotografia que publicou nas suas redes sociais com a mensagem “prepare-se para desco**nizar a Assembleia da República”… Gostaria de ser mosca para presenciar a “conversa fraternal” do seu acompanhamento espiritual no Opus Dei perante esta mensagem xenófoba, misógina, ordinária, malcriada e ameaçadora.

Na casa da democracia, o insulto gratuito, ofensivo, a frio, calculado, jocoso, pessoal, intencional, propositado para causar dano, ordinário deveria merecer de todos o mais veemente repúdio. O partido que passa a vida a falar de limpar Portugal é o mesmo que traz este discurso sujo.

Com o objectivo de manter o prestígio do Parlamento e dos deputados na nação, o regimento da Assembleia da República tem regras escritas que balizam a forma como os deputados se dirigem entre eles. Já as regras da boa educação, do respeito pelos pares e pelos cidadãos em geral não precisam estar escritas pois são facilmente entendidas pelas “pessoas de bem”.

E no entanto, não são só os insultos que chocam. Respeitando o direito das deputadas insultadas à sua reserva pessoal, custa-me ouvir a ex-deputada Romualda Fernandes dizer que denunciou os insultos ao então líder parlamentar Eurico Brilhante Dias, mas a queixa não ter seguido.

Não pode haver contemplações. Estes comportamentos têm de ser denunciados sempre e no momento. Não há que ter medo. A bem da protecção das mulheres. A bem da protecção da democracia.

Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico, por vontade expressa do autor