Em 1987, após a aprovação duma moção de censura com o apoio do PS, Cavaco Silva ganha as eleições com maioria absoluta – provocando o desaparecimento do PRD.
Em 2022, após o chumbo do orçamento, António Costa ganha as eleições com maioria absoluta – provocando o pior resultado do PSD e o quase desaparecimento do PCP e do BE.
A história repete-se? É difícil, mesmo colocando a hipótese duma coligação pós-eleitoral com a IL. Mas Luís Montenegro parece apostar que sim.
A sondagem do Expresso revela 39% de indecisos. Dizem os especialistas que nunca se viu um valor tão alto, tão perto das eleições – o que por si só deixa tudo em aberto.
Mas há um dado em que Montenegro parece inspirar-se. A opinião favorável sobre a governação: 47% do total, 34% dos que votaram PS em 2024 e 42% dos que se abstiveram.
Para que a história se repita, Montenegro precisa de seguir em simultâneo o guião de Costa 22 e o guião de Cavaco 87.
Costa foi mestre a vitimizar-se. O objectivo é os eleitores perceberem que PS e Chega foram para lá do razoável. Que Montenegro nada fez de grave. Que, até ver, o governo caiu por algo que poderia eventualmente vir a acontecer, mas que não aconteceu – à boa maneira do filme de ficção científica “Relatório Minoritário”, em que a polícia prevê os crimes que podem vir a acontecer, mas que não aconteceram.
Mostrar ao eleitorado que nenhum governo podia governar sob a pressão duma Comissão Parlamentar de Inquérito interminável, de suspeitas que surgem todos os dias sobre eventos perfeitamente normais – por exemplo, a Spinumviva não ter um contrato com os seus clientes, como se isso fosse anormal ou ilegal.
É verdade que as dúvidas nunca vão acabar enquanto a oposição quiser. Cortina de fumo, fumo à procura de fogo, fumo que não procura esclarecimentos, mas apenas desgastar a figura de Montenegro.
O Chega e a extrema-esquerda vão surfar esta onda, mas julgo que será um erro o PS fazer deste o seu cavalo de batalha: porque há outros partidos que vão fazer esse desgaste; porque já metade dos portugueses acha que viemos para eleições por causa do PS; e porque as pessoas – as que ainda ligam – querem saber o que pensam e não como destroem.
Resta saber se Montenegro terá arte e engenho para seguir o guião de Cavaco Silva em 1987 – mostrar uma ideia, um projecto para o futuro do país. É nisto, que as pessoas vão votar. Seguramente será este o caminho que Montenegro terá de trilhar se quiser ter uma maioria absoluta. A história só se repete se as pessoas perceberem porque é que devem dar uma maioria à AD. Qual a proposta de caminho para o país?
Montenegro fez muito nestes 11 meses, é certo. Mas foram soluções avulsas, a resolver problemas do imediato.
Tem agora a oportunidade de tornar as suas ideias para o país o foco do debate eleitoral. Se as ideias forem arrojadas, corajosas, de fundo, que mexam no mastodonte da estrutura do Estado, que se desviem do percurso dos últimos 20 anos. Se apresentarem rasgo para o desenvolvimento económico.
Caso contrário, temo que voltemos a ter legislativas em 2026. Se Pedro Nuno Santos se mantiver como líder do PS, caso não ganhe as eleições, não haverá pontes entre PS e PSD, por mais que Marcelo exija uma garantia – não escrita. E no limite, este governo pode ficar em gestão até 2026.
E.T.: A minha relação com Manuel Flores foi sempre atrasada. Conheci-o tarde e por pouco tempo; não fui a tempo de lhe prestar homenagem nesta coluna aquando da sua partida; voltei a falhar no tempo da homenagem do passado dia 21. O tempo…
Anadia perdeu um homem de cultura, um homem de cultura completo. Não tem substituto.
Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico, por vontade expressa do autor