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Manuel Armando

Padre

Bestial, Besta, Bestiaga

Quase já não sei o que pensar. Tenho sempre uma preocupação séria pelo emprego das palavras quando escrevo ou falo. Até é natural haver dúvidas, mas, para debelá-las, recorro ao meu velho Dicionário e assim fico mais tranquilo, porque sabe mais do que eu. Ora, também é evidente que não ando com ele às costas para onde vou. Por isso, opto, em variadas ocasiões, permanecer calado, antes de me fazer cair no erro de alguma coisa ou injuriar alguém.

Sempre tenho ouvido e também pronunciado qualquer um destes termos: “bestial”, “besta”, “bestiaga”. Poderei tê-los usado indevidamente, de certeza. Os três referem-se aos animais que, em muitos instantes, fazem coisas bestiais em favor dos homens que, por seu turno, realizam obras ou proferem palavras próprias de bestiagas, menos lisonjeiras na relação a tudo e a todos.

Em semelhante confusão abro, cautelosamente, o livro que me ensina o significado dos referidos vocábulos. E que encontro? Nada mais, nada menos, que o mesmo miolo para os ditos “bestial”, “besta”, “bestiaga”. Só que o primeiro, popularmente e com certa assiduidade, aparece aplicado num sentido de aplauso por algo de importante ter acontecido. Mas nem por isso deixa de fazer entender a força e o jeito de algum animal que, em muitas coisas, supera a fraqueza dos homens. Imaginemos a “força de boi”, o “olhar de lince” ou a “manha da raposa”, etc..

Contudo, o que neste momento e contexto me confunde é a sagacidade e a rapidez que se nos deparam ante a aplicação dos mencionados termos a algumas pessoas referenciadas porque expostas ao critério fácil usado para classificar qualquer indivíduo que faz coisas visivelmente interessantes – bestial – mas, por um fracasso, talvez fortuito, passa a ser, de imediato, a pessoa mais reles, execrável e desprezível – besta -, merecedora de todos os apupos e vaias da parte de qualquer gente. Além disso, aquela “bestiaga” poderia fazer ou ser de outro modo e não foi capaz. Ouve-se onde quer que seja.

Há tanta facilidade em passar-se um diploma ou canudo universitário com uma classificação “bestial” como, no minuto seguinte, o mesmo beneficiário vê ser-lhe retirado o grau de competência porque, afinal, nada percebia do assunto, isso segundo o julgamento popular dos aficionados da crítica.

A verdade é que, neste mundo cão em que vamos penando, muito fica por construir naquilo que diz respeito à elevação moral e social entre pessoas. Nem todos sabem concretizar os anseios que outros atingem, mas tal significa tão somente sermos dotados de carismas diferenciados que, postos ao serviço do semelhante, não empobrecem quem os pratica, mas enriquecem o universo que gravita à nossa volta.

Facilmente, alguém que, com esforço, trabalho, preocupação, estudo, vontade e visões alargadas, ajudou outrem a crescer, a constituir família estabelecida em paz, ou a divertir-se, vem a decair no conceito geral. Haverá que não se deixem envolver na leva de escárnio e maldizer, mas são poucos a alimentarem a esperança do regresso do bom senso humano em quaisquer sectores da vida activa, para que na sociedade todos aproveitem algo do que cada um possui e sabe.

Quem erra deseja, indubitavelmente, vir a recobrar o acerto dos que, agora, vociferam, não recordando nada de quanto sucedeu anteriormente, pois, sempre se apresentam como os eternos insatisfeitos e derrotados ao verem que os seus “saber e querer” jamais irão satisfazer o egoísmo pessoal balofo.

Que todos sejamos “bestiais” – no empenho plenamente positivo – e não nos julguemos “bestiagas”, candidatos a “bestas”.

Ou então procuremos puxar, suportando a mesma canga, o carro comum e, assim, iremos descobrir, com a máxima certeza, que somos humanos, sujeitos ao fracasso ainda que ele aconteça aquando da busca do sucesso.

Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico,
por vontade expressa do autor