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João Pacheco Matos

joaopmatos@hotmail.com

Centeno, o Fred Astaire das finanças

Na data em que escrevo esta crónica, ainda não sabemos quais as razões que levaram Mário Centeno a não se candidatar à Presidência da República. Sabemos apenas que foi por “razões pessoais”. Na verdade, interessa-me muito mais as razões que levaram Mário Centeno a ponderar ser Presidente da República.

Como ministro, foi apelidado pelo Sr. Schäuble de “Ronaldo das finanças”, porque conseguiu um milagre: controlar as contas, num governo socialista em geringonça com o BE e com o PCP, com paz social e ainda acabar com a austeridade a que o governo de Sócrates nos obrigou após o acordo que assinou com a troika para o resgate financeiro do país.

Acontece que Centeno (e Costa) foi mais flautista que Hamelin. A austeridade nunca acabou durante aquele período. O que mudou foi a estratégia da austeridade. No tempo da troika, para compor as finanças públicas, a opção foi dura mas clara, com efeitos directos e imediatos nas pessoas, mas – muito importante – manter os serviços do Estado a funcionar: educação, saúde, justiça, forças de segurança, etc..

Com a geringonça vieram as reposições: funcionários públicos, subsídios, pensões, impostos. Mas… vieram também as cativações e os cancelamentos de investimento público. Traduzindo, repôs-se pela frente, mas enfraqueceu-se os serviços do Estado por trás. Na altura não se dá por isso. Mas com o tempo… chegamos onde estamos hoje, principalmente na educação, na saúde e nas forças de segurança.

Foi essa transferência de recursos do investimento e manutenção dos serviços, para as reposições, que permitiu que Costa se mantivesse no poder com a sua geringonça. Centeno estava lá. Foi obreiro do governo (e socialista) que menos investimento público fez em 50 anos.

O que me incomoda realmente em Mário Centeno é a sua falta de noção do que são conflitos de interesse. Ou a pouca importância que a sociedade dá aos conflitos de interesse. Ou, talvez, Centeno ter noção dos conflitos de interesse, mas como a sociedade não dá importância, ele também não.

A passagem directa de Ministro das Finanças para governador do Banco de Portugal (BdP) nunca devia ter sido possível, por várias razões – e bastava uma qualquer delas:

  • como Ministro das Finanças, tinha um conflito latente com o governador que o precedeu no Banco de Portugal;
  • como fiscalizador, foi avaliar a sua prestação passada como ministro;
  • como ministro, é legítimo especular, poderá ter estado mais preocupado com o seu cargo futuro, do que com as funções a que estava obrigado;
  • como governador, regulou a actividade do governo de que fazia parte, bem como regula o que lhe sucedeu, vindo da sua oposição.
  • É evidente que a credibilidade do BdP não devia estar sujeita ao “Fred Astaire das finanças”, apelido-o eu, maravilhoso sapateador, ora com um pé no ministério das finanças, ora no BdP, ora no Eurogrupo, ora como substituto de António Costa para Primeiro-Ministro, ora no Banco Central Europeu, ora como pré-candidato a Belém, ora como responsável máximo de relatórios previsionais sobre os efeitos da política económica do governo.
    Transcrevo da sua entrevista à RTP na semana passada, esta frase sintomática: “As funções que desempenho neste momento são muito importantes para mim” sic. Pois são. Para ele.
    Seria incompreensível o governo, qualquer governo, reconduzir Mário Centeno como governador do Banco de Portugal. Seria ainda mais incompreensível ver Mário Centeno candidato a Presidente da República.