Faço esta semana uma pausa no ciclo das ideias para as próximas eleições em Anadia, para abordar as eleições americanas.
A primeira e mais importante nota sobre as eleições americanas, é que resultaram do processo democrático. Lá por ter ganho o candidato que eu não queria – como se interessasse alguma coisa o que eu quero para as eleições de outro país – não lhe menoriza a vitória, nem legitima que se insultem os americanos que nele votaram. É a democracia, estúpido…
Desde quarta-feira que vejo e ouço os comentadores do New York Times, Politico, Washington Post, mas também dos nossos jornais e televisões, procurarem justificações para este resultado: a guerra em Gaza, os hispânicos, o aborto, as mulheres brancas, os homens negros, a inflação, a imigração…
Os americanos tendem a escalpelizar em demasia as suas análises políticas. Talvez a análise seja mais simples: a esmagadora maioria das pessoas só quer viver melhor!
E sendo culturalmente favoráveis ao risco, mudam. Independentemente da cor da sua pele, de onde nasceram, da orientação sexual, do género, do nível de instrução.
Duas semanas antes das eleições, o insuspeito New York Times fazia uma reportagem com um operário negro de uma fábrica no Arizona que fechou por não aguentar a concorrência muito mais barata vinda do México. Dizia ele “quero lá saber que a Kamala seja negra, eu não vou votar na cor da pele, mas em quem proteja o meu emprego”.
Kamala, uma liberal das zonas chiques da Califórnia, sem ideias e que se referia aos sul-americanos como latinx para incluir homens, mulheres e tudo o que se queira colocar no meio, não ganha os votos dos trabalhadores, tradicionalmente democratas.
Os americanos – tirando os “maluquinhos” da esquerda radical e identitária que se apoderaram de parte do aparelho democrata – afinal não estão interessados nas mensagens woke. Apenas querem viver melhor.
Convém lembrar que os “maluquinhos” extremistas, como a Alexandria Ocasio-Cortez, chegaram ao partido democrata muito antes de terem chegado ao partido republicano.
Trump é um homem horrível, narcisista, misógino, autocrático, egoísta, mentiroso e a maioria dos americanos reconhece-o. Todavia, teve mais 4 milhões de votos do que Kamala. Trump, tal como tinha feito em 2016, ignorou as diferenças de género, raça, etc., tratou todos por igual, foi aos desfavorecidos sociais e económicos e deu-lhes a história que eles queriam. Porque um mexicano a viver e trabalhar legalmente no Texas há 20 anos, olha para outro mexicano que atravessou a fronteira ilegalmente e vê uma ameaça.
Uma sondagem à boca das urnas revelou que apenas 1/4 da população diz que a sua situação melhorou nos últimos quatro anos. Não é preciso mais análise nenhuma.
O que vai acontecer agora eu não sei, nem há nada que aqui possamos fazer. Resta-nos olhar para lá, aprender e prevenir cá.
As pessoas querem viver bem. Não com subsídios que as vão mantendo a produzir pouco, a ganhar pouco e ainda pobres. Mas a ganhar o suficiente para uma boa vida, segura e em progressão. Foi nisso que 70 milhões de americanos votaram.
Foi a demonstração de que as pessoas não estão arrumadas em grupos multiculturais em que cada uma se comporta de forma igual ao seu semelhante, mas antes cada pessoa conta individualmente movendo-se no chão comum do cosmopolitismo.
E.T.: por manifesta inabilidade minha, na semana passada enviei para o JB uma versão preliminar e incompleta do que deveria ter sido o texto final. O artigo na sua versão correcta pode ser lido na área “Opinião” do site www.jb.pt