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Rui Miguel Conceição

Licenciado em Ciências da Comunicação

Estava enganado

Estava completamente enganado. Afinal, a História não tem um progresso linear, onde a humanidade avança ininterruptamente para uma condição melhor. Mas eu pensava que sim. Que as guerras no continente europeu jamais voltariam, que a ameaça existencial das armas nucleares tinha acabado e que a democracia, mais cedo ou mais tarde, se espalharia a todo o mundo. Em 2010, pensava que o futuro seria risonho. Barack Obama estava no segundo ano do seu primeiro mandato como Presidente dos Estados Unidos da América. Nesse mesmo ano, assina um novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas com a Rússia, trabalha num acordo nuclear com o Irão e inicia a retirada das tropas americanas do Iraque. No final do mesmo ano, brota a Primavera Árabe, que traz ventos de mudança. Partindo da Tunísia, a revolta das populações contra a fome, a corrupção e a ânsia pela liberdade e pela democracia vai abalar outros países vizinhos, ainda que os resultados finais não tenham sido, em alguns casos, os melhores. Em 2010, o mundo estava longe de ser perfeito. Continuava-se a morrer de fome em muitos locais do globo, fruto de guerras e desigualdades económicas e sociais. Mas, pelo menos no mundo ocidental, vivia-se, na minha opinião, um sentimento de esperança e, pensava eu, que todos estes progressos seriam irreversíveis.

Passados quinze anos, percebi que estava enganado. Em 2025, temos um criminoso (porque já condenado pela Justiça norte-americana) como Presidente dos Estados Unidos, uma figura que tem tanto de ridícula como de perigosa. Na (cada vez mais orwelliana) Rússia, temos na liderança Vladimir Putin, uma personagem sombria com mandado de captura emitido pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra contra o povo ucraniano. Na China, Xi Jinping lidera um regime autoritário, de partido único, com fortes restrições às liberdades e garantias dos cidadãos. Estamos a falar das três maiores potências nucleares e das duas maiores economias mundiais (aqui sem a Rússia). De acordo com o relatório ‘Freedom in the World 2024’ da Freedom House, apenas 20% da população mundial vive em países classificados como “livres”. Cerca de 38% vivem em países classificados como ‘Não Livres’ e 42% em países ‘Parcialmente Livres’. Ainda de acordo com a Freedom House, os direitos e liberdades estão em queda a nível global pelo 18.º ano consecutivo. É assustador.

Se a História não tem esse progresso linear, então poderá repetir-se? Poderemos voltar a ter guerras mundiais com milhões de mortos, ‘soluções finais’ e a derrota das democracias liberais face aos regimes ditatoriais e totalitários? Não sei as respostas, mas entretanto aprendi que a História, tal como preconizou o historiador e filósofo Giambattista Vico, avança em forma de ciclos que se repetem, ainda que não de forma idêntica, que implicam avanços e retrocessos. Uma espécie de espiral, em que ‘passamos’ muito perto de eventos do passado.

Oitenta anos depois da libertação do campo de concentração de Auschwitz, tudo isto leva-me a recordar a frase de Aldous Huxley: “Talvez a maior lição da História seja a de que ninguém aprendeu as lições da História.” E ainda esta, atribuída a Edmund Burke: “Para que o mal triunfe, basta que os bons nada façam”.