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Manuel Armando

Padre

Guerra por uma bola vazia

Também já tive a presunção de me imaginar inclinado a uns chutos na bola. Não lembro, porém, haver, ao tempo, figuras de desporto a quem eu quisesse imitar, como agora vai acontecendo. Fui guarda-redes e quase posso dizer, em abono da verdade, que ninguém fazia golo desde que a bola fosse contra o meu corpo franzino. Se era chutada com força eu então procurava desviar-me. Ah, pois!

Ora, na altura, que significaria tal prática e como se entenderá hoje?

Agora, penso e afirmo que já nesse tempo eu próprio estava, realmente, a defender ou a lutar pelo vazio. A bola estava inchada, mas de ar.

Os tempos passam e, no presente, continuo a acompanhar o desenrolar de alguns desportos. Defendo, desde pequenito, as cores de um clube, mas sem grandes preocupações nem interesses escusados. O desporto estará, presentemente e sem dúvida, a transformar-se numa panóplia de movimentos abusivos económicos de jogadores, clubes, empresários, claques, meios de comunicação social, empresas criadoras de roupas e modas, autores de símbolos ou emblemas, fazedores de taças e outros troféus. Quer dizer, um mundo de valores, pessoais ou de grupos, à volta daquilo que será uma bola cheia… de vento, isto é, vazia.

Entendo bem e estou consciente de que, anexado a tudo isto, está o desporto que procura nele mesmo fazer desenvolver capacidades físicas, morais e sociais que podem acarretar consigo a saúde de quem o pratica. Todavia, parece que nestes nossos tempos a mística de qualquer modalidade perdeu bastante do significado de uma verdade para dar azo a quezílias, lutas, barulhos, notícias a torto e a direito, infundadas ou falsas, inimizades, desprezos humanos que em nada vão dignificar alguém.

Deparamos, diariamente, com a mentira e segundas intenções de tantos que se embrenham na organização de associações e seu desporto, mas com intentos diferentes que, só muito mais tarde, saltarão para a ribalta e serão consideradas com inteligência precisa.

Notícias a esmo enxameiam jornais e televisões a todas as horas e dias. Comentários de opinião bem expressivos, mas ocos de conteúdo. Discursos empolgados na mira de apresentar provas de grande saber e conhecimentos técnicos de algumas pessoas que até, pasme-se, nunca praticaram quaisquer exercícios desportivos.

Depois, são todas as falcatruas sociais e económicas que se desvendam a preencher tempos preciosos que poderiam e deveriam ser úteis e aproveitados para incutir na sociedade ânimo e vontade de construir um mundo equilibrado e mais feliz. O desporto, como muitas outras ocupações do homem, em determinadas vertentes vai perdendo mostras de entusiasmo e alegria, para dar lugar a violências, desaguisados, má-criação, ódios, privações de liberdade e euforia. Ou seja, enquanto se esperava o contrário, crescem o fracasso humano, a morte da reciprocidade saudável e convivência familiar, patenteando-se o descrédito que irá manobrar a mente e orientação da conduta dos mais novos.

É a guerra permanente por uma bola que, embora cheia de ar, está vazia e torna vazias muitas das tarefas vitais deste nosso universo humano, tão enigmático e inseguro, no qual nos encontramos embrulhados.