São seis os pilares da soberania alimentar: priorizar os alimentos da agricultura familiar; localizar os sistemas de alimentação; valorizar quem produz os alimentos; trabalhar em harmonia com a natureza; desenvolver o conhecimento entre gerações; promover o comércio e o controlo local.
Como canta o nosso prestigiado José Cid, há muito muito tempo, éramos nós quase crianças, mulheres e homens como eu já gritávamos por este país que desprezar um setor tão necessário como a pequena e média agricultura, era condenar o país à dependência alimentar. Isto nos anos 80.
Os resultados do Recenseamento Geral da População (Censos 2021), divulgados no INE, revelam que Portugal tem menos 214 mil residentes do que em 2011, diminuição com grande expressão no mundo rural.
A litoralização do país acentuou-se com o reforço da concentração junto da capital e na região do Algarve, com a análise por município a revelar que os territórios localizados no interior do país perdem população.
Apenas 31 dos 308 municípios, localizados maioritariamente nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, concentram mais de 50% da população, esvaziando ainda mais o interior de gente, com todas as consequências nefastas que esse esvaziamento tem para o território, para quem lá vive e o que reveste para a produção nacional e para a soberania alimentar do país.
Para esta situação, muito tem contribuído a falta de investimento e de políticas agro-rurais adequadas, que valorizem e incentivem a pequena agricultura local, capaz ela própria de fixar gente no território e de criar dinâmicas socioeconómicas que rentabilizem o interior.
Para a fixação neste setor, tão necessária como “pão para a boca”, há também que fixar preços justos à produção, ter mercados e feiras dinâmicos, valorizados igualmente pelo poder local, procurar o abastecimento desses produtos em cantinas públicas e privadas e valorizar o pequeno comércio, local e retalhista, criando assim riqueza cá dentro, com ajuda mútua.
As alterações climáticas já instaladas e que atingem todo o planeta vão, a médio e longo prazo, criar dificuldades, ao nível de alimentos necessários à humanidade.
Como têm dito e deixado escrito os cientistas que estudam estes fenómenos naturais, provocados pelo Homem, as produções agrícolas são cada vez mais irregulares; e ainda, com o aquecimento global da Terra e o efeito de estufa, a natureza entra em desequilíbrio e deixa de proteger o Homem (citei).
Estas políticas para a concentração da produção, neste caso agrícola, viradas para grandes produções de tipo industrial, não só tiram o homem do trabalho, como destroem toda a estrutura do solo, não respeitando a biodiversidade nem o ambiente; a aplicação de produtos e fertilizantes químicos criam, por outro lado, alimentos de má qualidade, meio caminho para a desnutrição e doença dos consumidores.
Como diz o nosso povo, “pela boca morre o peixe” e, digo eu, pela boca sofre o Homem. Como dirigente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), mais uma vez alerto quem nos dirige, para esta questão de extrema gravidade. Como é sabido, “grão a grão enche a galinha o papo”.
Inseridos que estamos numa União Europeia, é justo que ela deixe cada país e o respetivo povo, produzir à sua maneira, e que os governos eleitos, conhecedores dos dados, definam e ajustem as políticas para responder à redução da população neste setor. Está, há mais de três anos, nas mãos dos últimos governos, a concretização efetiva e articulada do Estatuto da Agricultura Familiar (EAF), instrumento que muito contribuirá para que os jovens se interessem por esta atividade, pois não existe agricultura sem agricultores. É preciso, é urgente, uma política diferente.