Numa época marcada por perceções, em que o “achismo” impera, a Missão Escola Pública lançou um inquérito para apurar dados sobre o bullying a docentes. Não é um fenómeno recente, mas agudizou-se nos últimos anos. Habituada a falar dele entre crianças e jovens, a sociedade tende a esquecer-se de que a escola é também o local onde professores são igualmente vítimas de assédio por parte das estruturas que integram. Entendido como um comportamento agressor por parte de alguém no exercício de uma relação de poder, será fácil perceber que ele aconteça também entre professores.
A indisciplina crescente, as agressões verbais e, muitas vezes físicas, a vandalização de carros e a criação de contas online para aniquilamento da honra profissional e pessoal são algumas das ações levadas a cabo por alunos e apuradas por este inquérito. Os encarregados de educação questionam as avaliações e práticas pedagógicas e pressionam para alterações de notas dos seus educandos quando estas não correspondem às expetativas que a falta de trabalho dos jovens não cumpriu. Estes poderiam parecer atos simples de violência e vandalismo, mas a verdade é que os professores encontram-se completamente desprotegidos na sua prática diária, enfraquecidos por políticas sucessivas de descrédito perante a opinião pública, e qualquer um pode apresentar queixas num órgão do Ministério Público da Educação, que este também não defenderá o seu trabalhador; mesmo que a queixa não contenha matéria para um processo disciplinar, será sempre aberto e o docente terá de provar a sua inocência, negando aquele pressuposto geral de que somos todos inocentes até prova em contrário.
As direções das escolas, ao invés de protegerem os seus docentes, aplicam na maior parte das vezes uma justiça discricionária no exercício de uma autonomia conferida pela lei, que lhes permite coagir ou perseguir quando são questionados: a atribuição de horários desumanos, com inúmeros níveis de lecionação, carregados de tarefas burocráticas e desnecessárias, desrespeito pela antiguidade na atribuição de horários, o não registo atempado das informações nas plataformas que permitem, as progressões na carreira, acesso a drives pessoais nos domínios institucionais, coação para aceitação de horas extraordinárias, pressão para a subida de classificação e ameaças de instauração de processos disciplinares quando tudo o que impõem falha.
Nalguns casos, também os assistentes operacionais exercem sobre os docentes os seus pequenos poderes, tentando agradar às direções (que também os avaliam), marcando faltas por atrasos de minutos, quando estes se encontravam a receber ou a resolver assuntos da escola num mundo que não se regula pelos mesmos horários que esta.
Dos seus pares, também recebem agressões, com tentativas de descredibilização do seu trabalho perante as direções e os coordenadores de departamento, em virtude de uma avaliação de desempenho, quando se encontram num universo em que apenas um ou dois terão direito ao “excelente”.
As consequências de todos estes atos nem sempre são claras, mas resultam sempre em problemas de saúde física e mental, que redundam todos eles num desencantamento pela profissão e, num expoente mais elevado, até pela própria vida.
Nada disto são apenas perceções. Era importante que a sociedade compreendesse todas as implicações e a necessidade de se rever o Modelo de Gestão das Escolas e o Estatuto da Carreira Docente, focando-se nos aspetos que minam todo o processo que procura o sucesso da sociedade do futuro.
Numa carta a Einstein, Freud explicava os fundamentos da guerra, com a pulsão da morte do outro em defesa da sua pulsão de vida, mas esta não pode ser a explicação e o fim para todos estes atos de agressão. Há que criar estruturas e procedimentos que minimizem esta pulsão intrínseca à espécie humana. Essa é a nossa responsabilidade como seres pensantes. Porque há preços que nenhuma sociedade deve estar disposta a pagar, como este de não existir capital humano para assegurar a aprendizagem da sociedade do futuro.