Neste quase meio século de regime democrático não me lembro de alguma vez ter havido um ambiente de tanta suspeição sobre a política e os partidos e tanta descrença nas instituições, como agora. É um ambiente deplorável em que se generaliza e amplia a mais leve suspeita. Ou porque certa imprensa se agarra a tudo o que cheira a escândalo, ou pelos casos de justiça que se arrastam, ou pelas redes sociais por onde corre, sem filtro, todo o tipo de mentiras e desinformação, algumas fabricadas no estrangeiro. O cidadão tem dificuldade em entender o que é verdade e o que não passa de simples «perceção».
Há quem deixe de acreditar na democracia e prefira outra coisa, nem que seja uma ditadura, onde não haja corrupção. Mas o ambiente de suspeição só existe na democracia porque a democracia é transparente e às vezes abusa-se de tal transparência. Se numa ditadura não existe este ambiente, não é porque não haja corrupção, mas porque não há transparência, nem liberdade de imprensa, nem uma opinião pública informada, nem um poder judicial independente, onde só pode singrar quem está bem inserido no regime. Numa democracia o poder judicial deve ser independente e articular-se bem com os outros poderes também independentes, o legislativo e o executivo – é dos livros. E sendo assim, deve o poder judicial distinguir, de maneira eficiente, quem é e quem não é corrupto, para que não perdure esta suspeição generalizada, que é, afinal, o que mais convém aos verdadeiros corruptos.
Não faltam moralismos fáceis, do tipo «olhem para o que eu digo, mas não para o que eu faço», ou no plano primário de que os «nossos» são honestos e bem-intencionados e os «outros» é que são corruptos. Alarga-se o espaço para os partidos de protesto, fragmentando o sistema numa escala que ameaça tornar o país ingovernável. Em Portugal partidos deste tipo quase só havia na esquerda, agora aparecem mais no lado direito, como noutros países europeus. Fazem promessas tanto mais mirabolantes quanto sabem que não terão de as cumprir. Também Trump subiu ao poder a denunciar a corrupção das elites do sistema, a que ele mesmo pertence.
Mas será que o nosso país está assim tão mal como o pintam? Quando olho para o mundo, de onde nos chegam tantas informações, não digo que somos os melhores, nem que está tudo perfeito, longe disso; mas não há muitos outros países onde se viva melhor. Na Europa, sim, há alguns e fora da Europa mais uns poucos. E temos indicadores na economia, na segurança e na liberdade, que não justificam todo o mal-estar que por aí se apregoa.
Estamos em tempo de promessas. Agora que houve uma forte redução da dívida pública, pensa-se que há dinheiro para tudo. Mas não há. Mesmo abaixo de 100% do PIB, a dívida ainda é demasiado alta. A almofada que existe para enfrentar situações de turbulência financeira e escassez energética pode não chegar para as ameaças que pairam sobre a nossa Europa. Tudo indica que próximos governos terão de fazer grandes reforços nos orçamentos militares, como acontece noutros países europeus mais expostos à maior ameaça e onde se pensa também em retomar o serviço militar obrigatório. Ao cidadão chamado a fazer as suas escolhas, pede-se prudência e cabeça fria, para não embarcar em promessas irrealistas. Porque o mundo está perigoso.