Há umas semanas, uma entrevista do general Eduardo Ferrão no semanário Expresso levou a que se discutisse a reintrodução do serviço militar obrigatório, talvez numa versão de serviço de cidadania. Mais alguns militares deram o seu apoio, e uma sondagem da SEDES revelou que 47% dos portugueses seriam a favor. Os principais partidos políticos exprimiram reservas moderadas, com duas exceções: o Chega, claramente a favor, e a IL claramente contra. Ainda bem, porque é um tópico em que há um confronto claro entre duas visões ideológicas. Ser a favor ou contra o SMO é teste que separa os apoiantes do autoritarismo dos fãs do liberalismo.
À esquerda, há quem defenda um SMO por ser uma experiência verdadeiramente igualitária, que todos têm de fazer independentemente de classe ou riqueza, e em que todos são tratados da mesma forma, seja qual for o mérito ou instrução. À direita, gosta-se do SMO por ser conservador, por ser um instrumento na defesa da nação, e por transmitir patriotismo. Estas mesmas razões (e mais algumas) levam a que se desgoste do SMO à direita e à esquerda, respetivamente. O que distingue o SMO não é ser de esquerda ou direita, mas é antes o O de obrigatório.
A reinvenção SMO como serviço de cidadania expõe bem o seu lado autoritário. Não há razão para que a cidadania exija homens jovens; há imensos exercícios de cidadania que uma mulher idosa pode fazer. Aliás, se a motivação principal é criar valores de cidadania e igualdade, seria melhor ter um exercício permanente até porque é muito depois dos 18 anos que as grandes desigualdades surgem e que o foco egoísta na família própria se sobrepõe à lealdade à nação. Em vez de 52 semanas consecutivas de um jovem de 18 anos, seria melhor ter uma semana por ano, entre os 18 os 70 anos, em que cada cidadão ficasse alojado numa caserna a dormir com mais uma dúzia, obedecendo, sem pestanejar, às ordens de um oficial de cidadania, sem queixas nem confortos. Será que os 47% da sondagem, tão dispostos a obrigar os jovens a fazê-lo, seriam também a favor desta proposta que se aplica a eles próprios?
Igualmente, a defesa do SMO costuma listar as virtudes que ele inculca nos mancebos maturidade, ética, disciplina e outros. Mas, novamente, o problema, está no O. Se é tão bom, então porque é que os jovens de livre vontade não escolhem fazê-lo? Milhares de jovens escolhem fazer exercício físico, ou ler literatura, ou participar em cerimónias religiosas. Ao mesmo tempo, muitos preferem não fazê-lo, e alguns deles até se arrependem disso mais tarde. Uma sociedade que obriga as pessoas a fazer aquilo que achamos que lhes faz bem é a definição de uma sociedade autoritária.
Um terceiro argumento a favor do SMO é a necessidade de melhorar a nossa defesa, nacional, urgente, agora com as ameaças do senhor Putin. Mas, as melhores forças armadas do mundo são as americanas, país onde não há SMO há mais de 50 anos. A Índia tem mais militares no ativo do que os EUA e a China tem quase o dobro, sem terem o mesmo poderio militar. Em vez de gastarem recursos, a treinar putativos soldados futuros, os americanos investem em armas, capital e tecnologia. Melhorar a defesa em Portugal exige mais dinheiro, que pode ou não ser gasto a contratar mais voluntários e a pagar-lhes melhor.
Achar que, com um SMO, a defesa nacional fica mais barata é uma famosa falácia económica. O economista Walter Oi, em 1957, foi dos primeiros a expô-la. O SMO poupa salários às forças armadas, mas impõe custos de oportunidade. Os soldados dão o seu tempo e esforço de borla, quando podiam estar a produzir, a criar valor para a sociedade, e a ficar com algum nos seus rendimentos. Como escreveram numa carta de princípios em 1980 um conjunto de pensadores liberais: “Dizer que o SMO iria reduzir o custo das forças armadas é como dizer que as pirâmides foram baratas porque foram construídas por escravos.”
Há outro argumento económico que podia ser a favor do SMO: talvez os valores e conhecimentos que ele transmite sejam valiosos e levem a pessoas mais produtivas e logo mais ricas no futuro. Por estupidez, miopia ou incapacidade de obter essa educação de borla, os jovens não a adquirem e ficam a perder. Um dos melhores artigos sobre essa questão é da portuguesa Ana Rute Cardoso (com Davi Card) usando o SMO em 1967 no contexto da guerra colonial. Para os jovens com mais do que o ensino primário, ela descobre que o efeito nos seus rendimentos futuros é zero. Tendo em conta que eles perderam cerca de um ano nesta atividade, é um mau investimento. Tendo em conta que a alternativa podia ser mais um ano de escola, que tinha um retorno estimado entre 4% e 11% em salários futuros, é uma péssima escolha.
O SMO é uma política bem estudada com resultados claros. Em termos económicos, o SMO fica caro em relação à alternativa de deixar os jovens estudar ou trabalhar, cobrar-lhe impostos, e usar essa receita para financiar a defesa nacional, quer para comprar equipamento, quer para contratar voluntários. Em termos militares, fora de guerra, alguns países têm SMO e outro não, sem uma relação clara com a sua força militar. Em termos políticos, o SMO tem argumentos a favor de pendor autoritário, e argumentos contra de pendor liberal.