Ouço, leio e falo dos conceitos e práticas de amizade, serviço, solidariedade, ajuda, atenção, fraternidade, presença e sei lá de quantas outras virtudes sociais ou morais e religiosas, passando até ao termo mais concreto de caridade.
Chamo-lhes virtudes, mas apetece-me, por vezes, dizer que são defeitos, quando se empregam para esconder aquilo que é o desmazelo, a indiferença ou a preocupação de ostentar atitudes que não traduzem as palavras ou conversas em realidades capazes e palpáveis.
Na convivência humana, cada um corre o risco de cultivar o egoísmo gritante, olhando apenas o seu umbigo e omitindo o sentido geral e certo que faz saber que na comunidade deverá existir altruísmo fundamentado na amizade, ou melhor, no definir a vida em família, não só carnal, mas mais abrangente e alargada a quantos necessitam da presença do irmão próximo para que, de algum modo, não se vejam a viver sós nem a vegetar, mas saibam fazerem parte íntima de uma comunidade fraternal de irmãos.
Daí, ser salutar todos estarem atentos e cooperantes, diante das necessidades físicas e, sobremaneira, anímicas, psicológicas ou espirituais.
Ninguém é tão rico que não possa receber nem tão pobre que não deva dar algo.
Medir as circunstâncias de algum caso é um dever inerente a qualquer ser inteligente que lida com a sua própria e pessoal consciência gregária.
Não é intromissão desnecessária ou indelicada alguém procurar inteirar-se das situações materiais ou psíquicas dos seus semelhantes mais fragilizados mesmo quando não haja consonância de ideias.
É verdade que cada pessoa, nas circunstâncias essenciais concretas, gostará de gozar a sua privacidade, mas há momentos em que essa timidez poderá ser ultrapassada com vontade firme, humildade e esperança na consecução de um bem maior.
A prática da ajuda na vida real basear-se-á no conhecimento certo de quaisquer problemas que tolhem a personalidade dos envergonhados da sociedade, enquanto incapazes de apregoarem as suas carências e falhas.
Tentar ler a necessidade dos outros não se considerará como uma intromissão supérflua no viver de alguém. Muito pelo contrário, é manifestar-se consciente e atento à importância da comunidade, onde os seus membros não se acham postos de parte.
Em certos instantes da vida, por razões frequentemente desconhecidas da vontade humana, sucedem casos intrincados que precisam de compreensão e presença de uns para com os outros. Aquele que tem tempo e possui haveres poderá compulsar as tais necessidades alheias, antes que alguém caia no desespero, na solidão procurada ou na derrota final.
Quando acontecem as tais horas difíceis de ultrapassar a sós, há sempre quem ofereça o seu ombro onde se podem repousar os problemas graves surgidos.
Nestas mesmas ocasiões, é frequente ouvir-se, da boca de gente conhecedora das dificuldades, esta expressão supostamente altruísta: «se for preciso alguma coisa, diga».
Ainda que tal dito corresponda, nalgumas vezes, à vontade de cooperação também manifesta, de modo sonegado, o egoísmo de quem não está disposto a ser incomodado em tempo nenhum, nem a arcar com quaisquer encargos que prendem e dão trabalho.
O verdadeiro empreendedor não usa os “ses”. Apresenta-se sinceramente disponível diante das dificuldades, sem explicações escusadas.
Por experiência pessoal, já ousei abordar indivíduos que se manifestaram abertos a quaisquer tarefas, mas, quando abordados em ordem a alguma abnegação, foram os primeiros a negar-se terminantemente, por “falta de tempo ou habilidade”. Bem se percebe nestes casos, que “trabalho Deus o dê a quem lho pede”.
É que viver a solidariedade ou família leva a pôr de lado o nosso eu para que os demais consigam usufruir também de alguma felicidade.