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Dilan Granjo

Mestre em Ciência Política e especialista em comunicação e Marketing Digital

Tarifas ou soberania? O custo de depender dos EUA

As tarifas como sinal de domínio
As novas tarifas impostas pelos Estados Unidos podem parecer, à superfície, um mero ato protecionista. No entanto, o seu efeito mais profundo é político. Revelam a vulnerabilidade de aliados como a Europa e o Indo-Pacífico perante uma potência que já não age como parceira, mas como império. Com taxas de 10% sobre todas as importações e agravamentos significativos para regiões específicas, como os 20% dirigidos à União Europeia, 34% à China e 46% ao Vietname, a administração americana deixa clara a sua prioridade: manter a supremacia.

O fim da ilusão atlântica
Durante décadas, a Europa viveu sob a égide dos Estados Unidos. Este vínculo manifestou-se militarmente através da NATO, economicamente com a hegemonia do dólar e culturalmente pelo domínio dos produtos mediáticos americanos. A ideia de uma aliança transatlântica sólida mascarou, durante muito tempo, uma assimetria estrutural. Hoje, diante de medidas hostis vindas de quem se apresentava como aliado, a Europa enfrenta uma decisão inadiável: continuar a depender de quem a penaliza ou transformar esta afronta num impulso para a sua emancipação.

Autonomia como urgência estratégica
A ideia de uma autonomia estratégica europeia tem sido recorrente no discurso político, mas raramente passou disso. No contexto atual, essa autonomia deixou de ser apenas desejável para se tornar imperativa. Mais do que proteger mercados ou cadeias de valor, trata-se de recuperar soberania política, económica e tecnológica. O mundo deixou de orbitar em torno do eixo atlântico. As novas dinâmicas apontam para o Indo-Pacífico e para o Sul Global. Para acompanhar esta mudança, a Europa precisa de se libertar da ilusão de um Ocidente coeso e procurar novas parcerias baseadas em interesses mútuos e respeito recíproco.

Novas alianças, nova ordem
A China tem vindo a afirmar-se como uma alternativa sólida perante uma América cada vez mais errática. A sua aposta em infraestruturas, tecnologia e diplomacia coloca-a como um parceiro influente no contexto de uma ordem mundial multipolar. Simultaneamente, a Índia, com a sua população jovem e economia em crescimento, representa uma oportunidade estratégica de longo prazo. Para a Europa, a escolha de parceiros deve deixar de ser feita a partir da lente de Washington e passar a reflectir os seus próprios interesses e valores.

A questão russa como teste de maturidade
Uma estratégia europeia realmente soberana não pode ignorar a Rússia. Apesar da guerra na Ucrânia, das sanções e da carga histórica que pesa sobre esta relação, Moscovo continua a ser um ator relevante no equilíbrio do continente. A sua importância energética e geopolítica impõe uma abordagem pragmática. Não se trata de submissão nem de condescendência, mas de reconhecer que manter canais diplomáticos abertos pode ser essencial para a estabilidade a longo prazo.

Acordar ou continuar a sonhar
As tarifas americanas são, sem dúvida, injustas. Comprometem décadas de diálogo e confiança entre aliados históricos. Mas também têm o mérito de tornar visível aquilo que muitos insistiam em ignorar: os Estados Unidos já não agem com lealdade nem em relação à Europa, nem aos seus aliados no Pacífico. A aliança transatlântica esvaziou-se de conteúdo. Resta saber se a Europa continuará a alimentar essa ilusão ou se, finalmente, vai acordar para a necessidade de decidir o seu próprio rumo.