Tenho um imenso respeito pelos Órgãos de Comunicação Social (OCS) e pelos jornalistas em Portugal, elemento essencial para a qualidade da nossa democracia. É exactamente por ter esse respeito que não hesito em fazer notar uma desproporção nos modos, intensidade e frequência das críticas apontadas a estes trinta dias de governo. Trinta dias, note-se. Não são trinta meses.
Tenho curiosidade de ver uma comparação com as medidas tomadas por António Costa nos seus primeiros trinta dias em 2015. Parece que trinta dias para um governo novo é imenso tempo, mas um ano para a provedora da SCML é pouco.
Em 2018, sob a tutela do governo PS, a SCML juntou-se ao problemático Montepio. Foi sob tutela do governo PS que a SCML se meteu neste buraco da Santa Casa Global. Que competências tem a pediatra Drª Ana Jorge para encetar a profunda reestruturação necessária na SCML? Critique-se o governo por ainda não ter alternativa, mas não por exonerar a ex-ministra de Sócrates.
Pergunte-se agora, caro leitor, há algum cargo público com mais importância política do que os da liderança das forças de segurança? É aceitável que o exonerado director da PSP reaja com uma birra? Mas que exemplo é aquele, numa força tão hierarquizada como a polícia? Essa birra não vem dar razão à ministra? E é a ministra que é criticada?
Já o Dr Fernando Araújo teve uma atitude exemplar. Na reunião com a nova ministra, ouviu as linhas gerais da política do novo governo, discordou dessas linhas e apresentou a sua demissão, mantendo o princípio da lealdade institucional. E está a preparar o relatório sobre as actividades da DE-SNS – que havia sido pedido pela ministra, sem a elegância de o fazer primeiro em privado.
Mas quem lê os jornais, parece que o Dr Fernando Araújo foi escorraçado. Não foi.
A ética política e o brio profissional (palavra tão esquecida) implicam um conjunto de boas práticas que às vezes parecem esquecidas. Quando muda o “chefe” – uma tutela, um accionista, um governo – mandam as boas práticas que administradores, directores e demais cargos de confiança devem, por sua iniciativa, apresentar um relatório do que fizeram, partilhar as suas ideias para o futuro e colocar o seu lugar à disposição.
Foi o que fez o ex-presidente das Águas de Portugal (AdP), José Furtado. Mas, mais uma vez, a mensagem que circula é que “foi corrido pelo governo”. No entanto, no que respeita às AdP, a notícia mais relevante é a do jornal on-line ECO. Resumidamente, soubemos agora que Fernando Medina pressionou a gestão das AdP a pagar €100 milhões a mais em dividendos, como contributo para apresentar uma dívida (afinal artificial) inferior a 100% do PIB. José Furtado resistiu inclusivamente a ameaças de despedimento. Tinha planos para investir aquele dinheiro nas AdP e exigiu que esse valor “voltasse” à empresa em 2024, agora sob forma de um aumento de capital pelo Estado. Lamento, mas não há outra palavra: uma aldrabice de Medina. Inaceitável.
Depois há antipatias. Por exemplo, Nuno Melo. Eu percebo. Mas, caro leitor, feche os olhos e ouça sem ver quem está a falar. Melo disse que se jovens desfavorecidos forem para a tropa, terão acesso a regras, valores, etc., que os vão afastar dos maus caminhos. Pode-se discordar desta ideia. Mas ele não disse, desta vez, que os miúdos presos deviam ir para a tropa.
Há um histórico de relação entre o PS no poder e os OCS. Nada de anormal. Tem a ver com o tempo e com hábitos de comunicação que foram sendo criados ao longo de 22 dos últimos 29 anos e que em nada colocam em causa a independência dos OCS. O PSD no poder e os OCS precisam de criar a sua forma de comunicação própria. A bem da democracia.
E.T.: O meu Sporting é campeão, mas foi-me um dia triste. Faltou-me o meu companheiro para brindar essa vitória, o meu pai. É uma vitória da resistência, da coragem, da racionalidade e da paixão. Parabéns aos Sportinguistas!